quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O conflito entre Liberdade e Natureza em Kant: o papel da subjetividade através do interesse na contemplação estética como imagem palpável da nossa liberdade moral

1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA MESTRADO
ANTONIO DJALMA BRAGA JUNIOR
O conflito entre Liberdade e Natureza em Kant: o papel da
subjetividade através do interesse na contemplação estética como
imagem palpável da nossa liberdade moral
Projeto de pesquisa apresentado ao
Departamento de Filosofia, do Setor
Ciências Humanas, Letras e Artes, da
Universidade Federal do Paraná, para a
seleção do Mestrado.
Orientador: Vinicius B. de Figueiredo ou
Marco Antonio Valentim.
CURITIBA
2010
2
PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO UFPR
TÍTULO:O conflito entre Liberdade e Natureza em Kant: o papel da subjetividade
através do interesse na contemplação estética como  imagem palpável da nossa
liberdade moral.
IDENTIFICAÇÃO/DELIMITAÇÃO DO TEMA-PROBLEMA
Kant diz que a metafísica tradicional jamais pode decidir se há ou não
liberdade. Essa indecisão tem um efeito nefasto de  contestar a moralidade: se não
há liberdade, como responsabilizar as pessoas pelosseus atos? Pode se perceber
nisto que a questão da liberdade é uma questão natural da humanidade. Deste
modo, a partir da compreensão de que a liberdade está na esfera daquilo que se
denomina  coisa em sie a natureza naquilo que se chama  fenômeno, Kant vê que
essa questão da liberdade pode ser resolvida. Sem realizar esta distinção, não
poder-se-ia legitimar nada que fosse livre realmente e não poder-se-ia afirmar haver
liberdade sem prescindirmos do principio de causalidade. Qual foi a solução kantiana
para este conflito entre liberdade e natureza? E ainda, qual é o papel da
subjetividade na constituição desta solução?
Para responder a este intuito, tomar-se-á como basea terceira crítica de Kant
– a Crítica do Juízo– muito embora, será impossível contextualizar o conflito entre
liberdade e natureza sem destacar alguns pontos queestão presentes em outras
obras de Kant.
OBJETIVOS
GERAL
Analisar a solução kantiana para o conflito entre liberdade e natureza e o papel da
subjetividade na experiência estética como imagem palpável da nossa liberdade
moral.
ESPECÍFICOS
a) Contextualizar o conflito entre liberdade e natureza em Kant.
b) Compreender a solução kantiana do conflito entreliberdade e natureza
através da arte.
c) Analisar o papel da subjetividade na experiênciaestética como imagem
palpável da nossa liberdade moral.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3
O conflito entre liberdade e natureza trabalhado por Kant na  Crítica da razão
Pura, consiste em uma visão inovadora que abala os alicerces da metafísica
tradicional ocidental. Para esta, existia Deus, alma e mundo. Ora, Kant afirmara que
com essa estrutura, a metafísica não havia saído dolugar, ao contrário, a partir disso
só havia sido criado ilusões e, consequentemente, essa metafísica fracassara. Ele
escreve isso no prefácio à segunda edição da sua obra  Crítica da Razão Pura
quando afirma que:
(...) no que respeita ao acordo dos seus adeptos, relativamente às
suas afirmações, encontra-se a metafísica ainda tãolonge de o
alcançar, que mais parece um terreiro de luta, propriamente
destinado a exercitar forças e onde nenhum lutador  pode jamais
assenhorear-se de qualquer posição, por mais insignificante, nem
fundar sobre as suas vitórias conquista duradoura.  (KANT, 2001, B
XV)
Kant propõe uma forma de conhecer que, como consequência, abala os
alicerces da metafísica tradicional. Esta nova forma consiste em criar um caminho
seguro da ciência para a metafísica promovendo uma  espécie de revolução, tal
como fez Copérnico, admitindo que os objetos deveriam ser guiados pelo nosso
conhecimento, pressupondo, assim, um conhecimento apriori, onde as coisas são
reguladas mediante nossa capacidade cognitiva. Kantescreve que “se a intuição
tivesse de se guiar pela natureza dos objetos, não  vejo como deles se poderia
conhecer algo a priori; se, pelo contrário, o objeto (enquanto objeto dos sentidos) se
guiar pela natureza da nossa faculdade de intuição,posso perfeitamente representar
essa possibilidade” (KANT, 2001, B XVIII). Neste sentido, o nosso entendimento extrai
de si as leis da natureza e também passa a ser legislador destas leis. Esta idéia
abala a metafísica tradicional, muito embora, ele não chega a abandonar a estrutura
Deus, alma e mundo
1
. Gérard Lebrun se questiona no inicio do capítulo  II da
primeira parte de sua obra  Kant e o Fim da Metafísicasobre o porquê desta
metafísica nunca ser constituída como uma ciência ediz que isto se deve ao fato de
que “a lentidão do espírito e o encanto da sofística muito cedo prevaleceram sobre o
exercício da razão” (LEBRUN, 2002, p. 59).
Ao se perguntar pela questão da liberdade e natureza, ver-se-á que esta
problemática encontrará solo fértil dentro dos apontamentos que Kant faz em sua
Crítica da razão pura, quando distingue os  fenômenosdas  coisas em si
1
O fato de a Metafísica ser mantida para Kant implica a idéia de que arte e moralidade se relacionam.
4
(compreendendo fenômeno como aquilo que nos é dado  sensivelmente, e sendo
dado na sensibilidade, pode ser pensado por conceitos). A partir disso, o filósofo
alemão afirma que não se pode presumir o que é um objeto qualquer sem as
faculdades da sensibilidade e do entendimento, não  porque não existam coisas em
si mesmas, mas sim porque a coisa em si é incognoscível. O nosso conhecimento,
portanto, está restrito aos fenômenos.
Dentro desta perspectiva, Kant diz que a metafísicatradicional jamais pode
decidir se há ou não liberdade. Essa indecisão tem um efeito nefasto de contestar a
moralidade: se não há liberdade, como responsabilizar as pessoas pelos seus atos?
Pode-se perceber nisto que a questão da liberdade éuma questão natural da
humanidade. Deste modo, estando a liberdade na esfera daquilo que se denomina
coisa em sie a natureza naquilo que se chama fenômeno, Kant vê que essa questão
da liberdade pode ser resolvida e procura trabalharisto em sua  Crítica do Juízo.
Mas será que esta solução apresentada na Crítica doJuízo não fere a radical
separação que a Crítica da Razão Puraprocura manter entre esses domínios a fim
de que tanto o conhecimento da natureza quanto a moralidade possam ser
justificados? Como a faculdade do juízo pode ser mediadora sem que se anule a
diferença entre os domínios da vontade e do conhecimento? Qual é, enfim, a
necessidade de suplantar o abismo entre liberdade enatureza? O fato é que sem
realizar esta distinção, não poderíamos legitimar nada que fosse livre realmente e
não poderíamos afirmar haver liberdade sem prescindirmos do principio de
causalidade.
Kant acredita haver uma antinomia da razão. Alguns  defendem a existência
da liberdade: a tese afirma a liberdade da alma semo apoio da natureza.
A causalidade segundo leis da natureza não é a única da qual
possam ser derivados os fenômenos do mundo em conjunto. Para
explicá-los é necessário admitir ainda uma causalidade mediante
liberdade. (KANT, 1974, p. 294)
Já a antítese nega a liberdade da alma, estando, esta, submetida às leis da
natureza: “não há liberdade alguma, mas tudo no mundo acontece meramente
segundo leis da natureza” (KANT, 1974, p. 294). Todavia, se consideramos a
mesma liberdade da alma como coisa em si, ela não écognoscível, porém, podemos
pensá-la; não podemos determiná-la por conceitos, mas podemos considerá-la como
algo que não é dado na sensibilidade, na experiência, como não condicionada pelas
5
mesmas propriedades a qual as outras coisas se dão  a conhecerem. Em outras
palavras, não haverá contradição se partirmos da idéia de que o pensamento da
coisa em sié irredutível ao conhecimento teórico, científico;não tem um valor de
verdade ou falsidade. Portanto, assumir a dupla significação da alma humana, como
coisa em si e como fenômeno, é uma tentativa de dissolver a contradição entre
liberdade e natureza. Por conseguinte, é possível afirmar que para Kant, as nossas
sensações morais ocorrem num mundo inteligível, no  pensar, já as nossas ações
naturais, ocorrem num mundo sensível. Diante disso,pode-se perguntar: como é
possível o ingresso neste mundo inteligível? Como podemos estipular uma ponte
para estes dois domínios? E ainda: o que é que se pode "construir" sobre esta
ponte, que é o juízo? Será que não há uma diferençaou talvez mesmo uma
divergência de propósito e orientação entre firmar  o abismo entre liberdade e
natureza e procurar suplantá-lo mediante a ponte dojuízo? Se sim, qual seria essa
diferença? Sem ter a certeza destas reais possibilidades, cabe ressaltar que Guido
Antonio de Almeida nos aponta um caminho para a solução deste problema em seu
artigo intitulado  Liberdade e Moralidade em Kant(1997, p. 199) afirmando que o
ingresso neste mundo inteligível acontece pela porta da espontaneidade do juízo.
Ora, isto é o mesmo que perceber a realidade de quetemos de um lado, em
nós, um sujeito reduzido à coisa, e por outro lado,nos vemos como um puro ente
racional. Mas como se pode conciliar este puro enteracional e o ente natural?
Como, enfim, podemos conciliar liberdade e natureza? Ora, esse é o problema geral
que Kant procura resolver em sua obra  Critica do Juízo, ou  Crítica da faculdade
de julgar, através da análise sobre as questões em relação àarte. Será possível
afirmar, a partir desta obra, que a conciliação entre liberdade e natureza se dá pela
arte? Será a arte a ponte entre a coisa em si e o fenômeno? Será que a arte pode
naturalizar a liberdade? E, afinal, o que é a arte?Segundo Kant, a obra de arte é um
produto humano capaz de despertar em nós o Belo. Noparágrafo 43 da  Crítica do
Juízo(1974, p. 337), Kant estabelece uma divisão da arte, apresentando-a num
primeiro momento como algo que se distingue da natureza, e ainda que, somente a
produção por liberdade deveria receber o nome de arte, elaé um produto e é
preciso que este seja feito através da liberdade e  estar vinculado à razão; em um
segundo momento, a arte é algo distinto da ciência,não dependendo apenas de uma
capacidade teórica; por último, o filósofo aponta para a noção de quearte é diferente
do artesanato: o trabalho é fundamentalmente uma alienação e a arte não é isso; ela
6
é liberdade e não alienação; todo trabalho aliena enão é livre. Neste sentido, Kant
afirma que o belo encontrado na arte não é determinado por conceitos, muito
embora ele seja dado no tempo e espaço, que são categorias da sensibilidade. O
belo não está conectado com o objeto. Ele está na nossa reflexão, na medida em
que nós o julgamos como símbolo do supra-sensível, ou, da coisa em si.
Julgar uma coisa é resultado de uma ação espontânea. É uma ação
inteligente, não estando sujeito às leis da natureza ou do entendimento. Julgar é
também produto da nossa subjetividade. É sinônimo de refletir. E esse juízo sobre o
belo é o único que pode ser feito de forma desinteressada e, justamente por isso,
livre. Dentre todas as espécies de satisfação,
(...) a do gosto em relação ao belo é, única e exclusivamente, uma
satisfação desinteressada e livre; pois nenhum interesse, nem o dos
sentidos, nem o da razão, obriga à aprovação. (...)Um objeto da
inclinação, e um objeto que é imposto ao nosso desejo por uma lei
da razão, não nos deixa nenhuma liberdade de fazer  para nós
mesmos, de algo, um objeto de prazer. Todo interesse pressupõe
necessidade, ou a produz; e, como fundamento-de-determinação da
aprovação, não deixa mais o juízo sobre o objeto ser livre. (KANT,
1974, p. 308).
Neste sentido, encontramos na filosofia kantiana a  ideia de que todo juízo é
reflexivo. Mas, há alguns que são puros – cujo quais não encontramos conceito – e
outros que são determinantes – onde encontramos conceitos.
Os juízos reflexivos puros são juízos estéticos, ou seja, são os juízos do Belo.
Compreende-se por Belo aquilo que é radicalmente indeterminado. Tem um
significado, porém não é objeto determinado. Ora, apossibilidade de representar o
indeterminado (o Belo) favorece a passagem da liberdade à natureza. A faculdade
do juízo, em sua autonomia, permite a passagem da liberdade à natureza em vista
da conformidade com as finalidades. O reconhecimento da irredutibilidade do mundo
natural e do mundo inteligível favorece a passagem  entre estes dois mundos,
abrindo a possibilidade de pensarmos esta passagem.O Belo permite interpretar os
efeitos da coisa em si. Kant, juntamente com Schiller, supõem que a arte tem um
papel na educação. Todavia, a resposta do segundo éconsideravelmente diferente
do primeiro. Schiller afirma que a consciência da liberdade e a vivência da sua
existência simultaneamente é a contemplação estética. Esta é a maneira como o
homem se descobre sujeito de si mesmo, ele se percebe como uma capacidade de
7
representação de coisas, e, portanto, não é, ele próprio, uma coisa que pertence à
natureza e segue suas leis.
A contemplação (reflexão) é a primeira relação liberal do homem
como o mundo que o circula. (...) A necessidade natural, que o
dominara sem divisão de poder no estado da mera sensação, libera
o objeto na reflexão; não há trégua momentânea nos  sentidos, o
próprio tempo eternamente mutável repousa enquanto  os raios
dispersos da consciência convergem e uma imagem do  infinito, a
forma, se reflete no fundo perecível. (SCHILLER, 1990, p. 130)
Para Schiller, o homem é escravo da natureza quandoapenas a sente, e
torna-se legislador quando a pensa. Sendo assim, a  natureza passa a ser
relativizada diante do homem. O Belo e a beleza sãoobjetos, todavia, a
contemplação deste desperta no sujeito a consciência de si, ele se experimenta a si
mesma como uma receptividade ao mundo sensível e a  partir disso, como diz
Lebrun (2002, p. 503), “torno-me verdadeiramente universal”. O Belo é a forma viva,
ou seja, o supra-sensível no sensível. Na contemplação estética nós sentimos o
supra-sensível. Para Kant, esta justaposição dos dados sensíveis para o supra-sensível, esta ponte de acesso frágil, da liberdadee da natureza, não passa de uma
analogia. Mas para Schiller isto é fundamental. O fundamento da verdade, da ciência
e da moralidade, já se realiza na contemplação estética.
Kant acredita que apropriar-se de si mesmo significa pensar por si, essa é a
máxima de uma razão jamais passiva e é neste sentido que, para Kant, o
entendimento legisla a natureza. Deste modo, Kant nos diz que existe uma liberdade
prática, entendida como a liberdade moral e uma liberdade estética, onde o objeto
não é determinado por conceitos. A nossa apreciaçãodo objeto estético é livre de
conceitos, há uma independência à regra do entendimento. No juízo estético não há
uma medida de conhecimento científico, em outras palavras, não está a serviço do
conhecimento. Porém, a referência do juízo estéticoestá relacionada somente no
sujeito e sua vida subjetiva.
Uma vez que o juízo de gosto esteja fundamentado naidéia de Kant de um
senso comunitário, podemos compreender o papel desta faculdade na conciliação
entre liberdade e natureza como uma forma de levar o sujeito a uma experiência da
sua universalidade subjetiva. A contemplação do Belo suscita em mim a consciência
das minhas faculdades representativas. Somente na experiência estética do Belo eu
me torno consciente da minha subjetividade. Kant afirma que na base do
8
conhecimento e da moralidade está a experiência estética como inteligência pura. O
sentimento do Belo é condição necessária para o exercício da ciência e da
moralidade. A ciência e a moralidade surgem de uma  interrupção da experiência
estética. Para Kant, o gosto é a sensificação de idéias morais, é a faculdade de
significar sensivelmente o supra-sensível. Será quecom esta ideia, Kant consegue
estabelecer uma ponte inteiramente subjetiva, com validade universal, sem anular o
abismo?
Como forma de aprofundar esta questão, percebe-se que em sua obra Crítica
do Juízo, Kant define o Belo como aquilo que meramente lhe  apraz. Ele é uma das
três diferentes proporções das representações ao sentimento de prazer e desprazer
(o agradável e o bom são as outras duas).
Assim, pode-se afirmar que o juízo de gosto só podeser um juízo estético, e,
portanto, não pode ser lógico, compreendendo ainda  que seu fundamento-de-determinação seja subjetivo. Para melhor explicar esta ideia, Kant nos diz em sua
terceira crítica, que “abarcar um edifício regular  e conforme a um fim com a
faculdade de conhecimento (...) é algo inteiramenteoutro do que ter consciência
dessa representação com a sensação de satisfação” (KANT, 1974 p. 303). Em
outras palavras, essa representação refere-se ao sujeito e, este, sente a si mesmo
sob a denominação de sentimento de prazer e desprazer.
Ao escrever isso, o filósofo alemão passa a afirmarque a satisfação que
determina o juízo-de-gosto é realizada sem nenhum  interesse. Todavia, cabe
ressaltar aqui a definição que o autor faz deste conceito:
Interesse é denominada a satisfação que vinculamos  com a
representação da existência de um objeto. Como tal,tem sempre, ao
mesmo tempo, referência à faculdade-de-desejar, seja como seu
fundamento-de-determinação ou, pelo menos, como
necessariamente em conexão com seu fundamento-de-determinação
(KANT, 1974, p. 304).
O que importa para Kant não é a existência da coisaBela, mas o julgamento
que fazemos disto. O que importa é se a representação do objeto no sujeito produz
alguma satisfação, ainda que o sujeito se ponha de  forma indiferente à questão da
existência de tal objeto. Como diz Kant, “vê-se facilmente que é aquilo que, a partir
dessa representação, faço em mim mesmo, não aquilo  em que eu dependo da
existência do objeto, que importa para dizer que ele é belo e para demonstrar que eu
tenho gosto” (KANT, 1974, p. 304).
9
Para afirmar a idéia de que a contemplação estéticaé feita de forma
desinteressada, Kant passa a distinguir três espécies de interesse, ou ainda, três
diferentes proporções das representações ao sentimento de prazer e desprazer: o
agradável, o beloe o bom.
O  agradável, como diz o próprio autor, “é aquilo que apraz aossentidos na
sensação” (KANT, 1974, 304), compreendendo este termo sensação como toda
espécie de satisfação, uma vez que se algo lhe apraz, justamente por que lhe apraz
causa um sentimento de agradabilidade e amabilidade, torna-se regozijante,
deleitoso e assim por diante. Não está em jogo aquio como se chega a isto, se eles
são impressões dos sentidos, proposições da razão ou ainda formas refletidas da
intuição, pois isto “seria o agrado na sensação de  seu estado (...) [e] não se poderia
presumir nelas nenhuma outra apreciação das coisas  e de seu valor, senão a que
consiste no contentamento que elas prometem” (KANT,1974, 305). A sensação a
que Kant se refere é a que está ligada ao sentimento de prazer e desprazer e não à
sensação da representação de uma coisa. É uma sensação que pertence ao campo
do sentimento e não do entendimento, da lógica. Suarepresentação tem a ver com
o sujeito e não com o objeto.
Entendemos, porém, (...) pela palavra sensação, umarepresentação
objetiva dos sentidos; e, para não correr sempre o perigo de ser mal
interpretado, queremos denominar aquilo que tem de  permanecer,
todo o tempo, meramente subjetivo e absolutamente não pode
constituir nenhuma representação de um objeto, com  o nome, de
resto corriqueiro, de sentimento. (KANT, 1974, p. 305)
O exemplo que o autor se serve para explicar esta idéia é de que quando se
olha para verdes prados, a cor verde pertence à sensação objetiva, àquilo que os
sentidos captam e são consideradas como conhecimento. No entanto, a sensação
de agradabilidade ou desagrado, pertencem à sensação subjetiva, aos sentimentos,
à satisfação, que não tem nada a ver com a idéia dequalquer espécie de
conhecimento.
Mas como fica a relação deste  agradável  com a idéia do  interesse? Aquilo
que satisfaz aos homens, só os satisfaz porque atendem a seus  interessesou um
10
juízo-de-gosto por um objeto que agrada é feito de  forma desinteressada? Será que
tal juízo não contém em si mesmo certa inclinação, ou certo interesse?
2
Kant não vê problema nesta questão e afirma com certa naturalidade que o
juízo sobre um objeto agradável contém em si um interesse, e isto é claro para ele,
uma vez que o sujeito, por sensação, excita um desejo por objetos agradáveis e a
satisfação que este lhe dá pressupõe que ele existae que o afete.
Por isso, do agradável, não se diz meramente que ele  apraz, mas
que ele  contenta. Não é uma mera aprovação que eu lhe dedico,
mas por ele é engendrada uma inclinação; e, àquilo que é agradável
do modo mais vivo, a tal ponto não pertence nenhum  juízo sobre a
índole do objeto, que aqueles que sempre visam apenas à fruição
(pois esta é a palavra com que se designa a interioridade do
contentamento) de bom grado se abstêm de todo julgamento. (KANT,
1974, p. 305-306)
Diante disso, pode-se afirmar que um juízo-de-gostoque leve em conta o
agradávelexprime um interesse, pressupõe uma inclinação. Quando se trata, porém,
da relação com o segundo tipo de interesse mencionado por Kant, a saber, o bom,
ver-se-á que não é totalmente diferente, pois a satisfação com o  bomtambém é
vinculado com interesse. Mas quais são suas particularidades? Em que difere esta
relação do agradávele do bomcom o interesse? E ainda, como estes se relacionam
com o belo?
Inicialmente, cabe aqui demonstrar a definição de  bomutilizada pelo autor de
a  Crítica do Juízo: “Bom é aquilo que apraz por intermédio da razão,  pelo mero
conceito” (KANT, 1974, p. 306). Esta definição vai  ainda um pouco mais além, ele
distingue dois tipos de bom: o bom para algo, compreendido como algo útil ou ainda
que apraz como um meio; e o  bom em si, que apraz, segundo próprio autor, por si
mesmo. É importante notar que tanto um, quanto outro pressupõe o conceito de um
fim e, com efeito, exprimem um interesse qualquer, pois ambos se satisfazem com a
existência deste objeto ou desta ação que se denomina bom.
Kant percebe que muitas vezes, o agradável é visto  da mesma forma que o
bom, que os dois são a mesma coisa. Todavia, o que  se percebe é que isto não
passa de um mero equívoco das palavras. Ele utilizao exemplo, para ilustrar isto, de
que é possível afirmar que certo tipo de comida, umprato temperado com diversas
especiarias e outros ingredientes pode ser agradável e ao mesmo tempo, confessar
2
Compreendendo este conceito de interesse como a satisfação que vinculamos com a representação
da existência do objeto.
11
que isto não seja bom. Isto se deve ao fato de “o agradável, que, como tal,
representa o objeto meramente em referência ao sentido, tem antes de ser trazido,
pelo conceito de um fim, sob princípios da razão, para denominá-lo, como objeto da
vontade, bom” (KANT, 1974, p. 306). No agradável, oobjeto deve necessariamente
satisfazer sem mediações, ou seja, de forma imediata. Já no tocante ao bom, isto
pode variar: se o bom for bom para algo, ele precisa de mediações, mas se for bom
em si, não. Em outras palavras, “para achar algo bom, tenho sempre de saber que
coisa o objeto deve ser, isto é, ter um conceito domesmo” (KANT, 1974, p. 306) O
mesmo não ocorre com o  belo, pois para encontrar beleza em pinturas, paisagens
ou outras obras não precisam ter um conceito determinado, mas nem por isso estes
deixam de causar satisfação. “A satisfação com o belo tem de depender da reflexão
sobre um objeto, que conduz a algum conceito (sem se determinar qual)” (KANT,
1974, p. 306). Kant utiliza outro exemplo para esclarecer esta idéia: a saúde é
imediatamente agradável para aquele que a possui. Mas nem sempre é possível
dizer que ela é boa, pois se faz necessário, para tal, orientá-la pela razão a fins, até
que se chegue ao ponto de que o corpo possa realizar todas as ações possíveis a
ele em boas condições.
Diante disso, Kant passa a concluir que, dentre todas as diferenças entre o
agradável e o bom uma coisa eles tem em comum, que é o fato de estarem sempre
vinculados a um interesse por seu objeto, seja comomeio para algum fim, como é o
caso do agradável e o mediatamente bom, seja como para o imediatamente bom,
que traz consigo um interesse supremo. “Pois o bom  é o objeto da vontade (isto é,
de uma faculdade-de-desejar determinada pela razão). Mas querer algo e ter uma
satisfação com a existência do mesmo, isto é, ter um  interesse –  uma satisfação
vinculada com a representação do objeto – por ela, é idêntico” (KANT, 1974, p. 307).
O juízo de gosto, neste sentido, está vinculado apenas ao sentimento de
prazer e desprazer, sendo considerado por Kant, justamente por isso, um juízo
meramente contemplativo, que não é orientado para conceitos e nem mesmo
destinado a eles, sendo, o agradável, o belo e o bom, maneiras diferentes de
representar este sentimento de prazer e desprazer.  O autor define então que o
“agradávelchama alguém àquilo que o  contenta;  belo, àquilo que meramente lhe
apraz;  bom, àquilo que é  apreciado,  estimado, isto é, em que é posto por ele um
valor objetivo” (KANT, 1974, p. 308). Cada qual destas três formas de
representações do sentimento de prazer e desprazer  são direcionadas, ora para os
12
seres racionais e irracionais – é o caso do  agradável– ou somente para os seres
animais racionais, os homens – como no caso do  belo– ou ainda para os seres
racionais em geral, podendo ser animal ou não-animal – que é o caso do bom.
Estas três espécies de satisfações são referenciadas, respectivamente, àquilo
que Kant chama de  inclinação,  favore  respeito.  Contudo, a única, dentre estes três
tipos que é feita sem nenhuma forma de interesse é  a do gosto em relação ao belo.
Ela “é, única e exclusivamente, uma satisfação desinteressada e  livre, pois nenhum
interesse, nem o dos sentidos, nem o da razão, obriga à aprovação” (KANT, 1974, p.
308). A única satisfação livre, que prescinde de todo e qualquer interesse, é a do
favor. Assim, o gosto só é livre na contemplação dobelo, pois em se tratando de um
objeto da inclinação, não podemos ser livres, uma vez que ele se impõe ao desejo
por uma lei da razão, que, com efeito, impede toda  e qualquer liberdade de fazer
para si mesmo algo um objeto de prazer. Por isso, Kant afirma que “todo interesse
pressupõe necessidade, ou a produz; e, como fundamento-de-determinação da
aprovação, não deixa mais o juízo sobre o objeto ser livre (KANT, 1974, p. 308).
Para melhor esclarecer a idéia do interesse na inclinação, ou seja, no tocante ao
agradável, ele se utiliza do exemplo de que o melhor cozinheiro é a fome e que as
pessoas precisam primeiramente saciar suas necessidades para poder julgar se sua
escolha em relação a um prato de comida o torna um  sujeito de gosto, ou não. A
satisfação de agradabilidade pode não dizer nada emrelação ao gosto de um sujeito
que está faminto. Da mesma forma, em relação ao respeito (ao bom), Kant afirma
poder existir “costumes (condutas) sem virtude, cortesia sem benevolência, decência
sem honradez e assim por diante. Pois onde fala a lei moral não há, objetivamente,
mais nenhuma livre escolha quanto àquilo que é parafazer” (KANT, 1974, p. 308).
Assim, nota-se que o interessenão deixa o juízo sobre um objeto ser um juízo
livre, sendo que a única espécie de satisfação capaz de prescindir de todo e
qualquer interesse é a que se refere ao belo e nadamelhor que as palavras do
próprio Kant, inferida do primeiro momento da  Analítica do Belopara melhor
esclarecer esta ideia: “Gostoé a faculdade-de-julgamento de um objeto ou de um
modo-de-representação, por uma satisfação, ou insatisfação,  sem nenhum
interesse. O objeto de uma tal satisfação chama-se  belo” (KANT, 1974, p. 309). O
gosto é a faculdade de significar sensivelmente o supra-sensível e a obra de arte é o
produto humano capaz de despertar em nós o belo, sendo visto como um símbolo
do supra-sensível. Será que esta é uma solução paraa possível conciliação entre
13
liberdade e natureza, para o abismo que Kant tenta  fechar? Paul Guyer partilha
desta ideia e escreve que Kant tentou
(...) argumentar que é através destes ideais que nós podemos unir os
reinos da natureza e da liberdade, porque a experiência estética nos
oferece uma imagem palpável da nossa liberdade moral, e uma
concepção científica do mundo como um sistema de seres
interdependentes só faz sentido como uma imagem do  mundo como
a esfera dos nossos próprios esforços morais (GUYER, 2010).
Será que com esta ideia, o abismo passa a ser anulado? Qual é o papel do
sujeito dentro da contemplação estética, para validar esta ponte inteiramente
subjetiva? O que Kant tem em vista alcançar ou assegurar quando, de um lado,
afirma a radical distinção entre liberdade e natureza, e quando, de outro, procura
conduzi-la a uma espécie de conciliação mediante o  juízo? São questões como
estas que este projeto de pesquisa tem como objetivo investigar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KANT, Immanuel.  Crítica da razão pura e outros textos filosóficos. São Paulo:
Abril Cultural. 1974 (coleção os pensadores);
______.  Crítica da Razão Pura.  Tradução Valério Rohden e Udo Baldur
Moosburger. Coleção Os Pensadores. Abril Cultural, 1999
______. _______. Tradução de Manuela Pinto dos Santos, 5ª Edição. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
______.  Crítica da Razão Prática.  Edição Bilíngue. Trad. Valério Rohden. São
Paulo: Martins Fontes, 2003
______.  Crítica da faculdade do juízo. Trad. de Valério Rohden e Antonio
Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002;
______.  Fundamentos da metafísica dos costumes. Rio de Janeiro: Tecnoprint,
[199-] (Clássicos de Bolso);
______. O conflito das faculdades. Lisboa: Edições 70, 1993;
______. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. In : Os Pensadores. Trad.:
Valério Rohden. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
______. Prolegômenos In : Os Pensadores. Trad.: Valério Rohden. São Paulo: Abril
Cultural, 1974.
14
______. Resposta à Pergunta: Que é Esclarecimento?  In:  Textos Seletos. Rio de
Janeiro: Ed. Vozes, 1999.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ALMEIDA, Guido A.  Liberdade e moralidade em Kant. In. Revista Analytica:
Volume 2, numero 1, 1997.
CASSIRER, E. A filosofia do Iluminismo.Campinas: Ed. Unicamp, 1993;
FIGUEIREDO, Vinicius B. de.  Kant & a Crítica da Razão Pura. Coleção Passo a
Passo Nº 54. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
GOETHE, Johanm W.  Escritos Sobre a Arte.Trad.: Marco Aurélio Werle. São
Paulo: Associação Editorial Humanitas, Impressão Oficial, 2005.
GUYER, Paul.  Kant and the claims of taste. Cambridge: Cambridge University
Press, 1997.
______.  Immanuel Kant. In. E. Craig (Ed.),  Routledge Encyclopedia of
Philosophy.London: Routledge. acessado 22/07/2010
(http://www.rep.routledge.com/article/DB047
LEBRUN, Gérard. Kant e o fim da metafísica. São Paulo:Martins Fontes, 2002;
SCHILLER, Friedrich.A educação estética do homem: numa série de cartas. São
Paulo: Iluminuras, 1990;
REGO, Pedro C.  A Improvável Unanimidade do Belo. Rio de Janeiro: Editora 7
Letras, 2002
Revista da Sociedade Kant Brasileira. Studia Kantiana.  Kant e a Crítica da
Faculdade do Juízo.Volume 5, Número 1. Ano 2001.

Teleologia e esperança em Kant: O encontro entre natureza e liberdade

1
Teleologia e esperança em Kant:
O encontro entre natureza e liberdade
Adriano Beraldi
*
Vitória (ES), vol. 1, n. 1  SOFIA
Agosto/Dezembro – 2012    Versão eletrônica
*
UFES - adriano.beraldi@gmail.com
2
Resumo: o  presente artigo busca refletir acerca da convergência entre a concepção kantiana da história,
apresentada na obra Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, e sua visão religiosa,
principalmente expressa em  A religião nos limites da simples razão. O que se pretende é demonstrar como
esse procedimento significa, para Kant, que deve haver uma razão que se realiza tanto no campo históric o
quanto no da religião, tendo em vista o agir moral, o que lhe permite promover a harmonização entre
natureza e liberdade.
Palavras-chave: História; Religião; Natureza; Liberdade; Felicidade.
Abstract: this paper aims to reflect about the convergence  between Kant‟s conception of history, presented
in  his Idea of a universal history based on the principle of world-citizenship, and his religious view  which is
mainly  expressed in  Religion within the limits of reason alone. The goal  is to demonstrate how  this
procedure means, for Kant,  that  there must be a reason which takes place both in history and in the field of
religion with respect to the moral act, which allows him to promote harmony between nature and freedom.
Keywords: History; Religion; Nature; Freedom; Happiness.
Introdução
Em  Idéia de uma  história  universal de um ponto de vista cosmopolita  –  que, surgido em
1784, pode ser considerado um dos primeiros trabalhos de filosofia da história alemã  –  Kant
entende em um sentido muito peculiar a razão  se realizando na história. Nesta obra, a racionalidade
do mundo se encontra manifesta pelo que o pensador classifica, de um ponto de vista metafísico,
como leis naturais universais. Assim, ele busca, permeando qualquer manifestação, mesmo aquelas
que dizem  respeito aos mais estritos atos de liberdade da volição humana, um fio condutor de cariz
teleológico: um contínuo e progressivo desenvolvimento de nossas potencialidades   rumo ao
máximo aperfeiçoamento moral.
Claro, há irregularidades nesse curso. Estas, encontradiças ao longo da construção de nossa
civilização, muitas vezes parecem demonstrar justamente o contrário do que o filósofo propugna. A
conduta humana  particular  no decorrer dos tempos, via de regra, tem sido tão pródiga em
manifestações de infâmia,  infantilidade e quejandos descompassos, que faz parecer, a uma primeira
vista, que a tentativa de descortinar em nossa história um propósito unificado seria dificilmente
qualificável como racional.
Contudo, a racionalidade proposta por Kant, neste caso, transcende o âmbito dos indivíduos.
A regularidade progressiva vista por ele na história tem como objeto, não nossas vivências
particulares, mas as coletivas; não o homem, mas a humanidade. Para a teleologia da história
kantiana, o que se mostra desordenado  nos sujeitos individuais deve ser perceptível no gênero
humano do modo oposto. Então, a despeito de nossas vicissitudes enquanto indivíduos, nossa
3
espécie está  naturalmente  destinada, pela própria necessidade racional, ao seu pleno
desenvolvimento.
Porém, como podemos constatar na segunda  Crítica de Kant (a Crítica da razão prática), se
a natureza diz respeito a uma causalidade de cunho determinista, estando oposta àquela
correspondente à liberdade, de que modo estaríamos, mesmo quanto ao gênero humano co mo um
todo, destinados naturalmente, dado sermos eminentemente seres livres? Está, portanto, posta a
necessidade da existência de um campo para compatibilização entre os conceitos de natureza e
liberdade no quadro do pensamento prático kantiano.
Sendo assim, vejamos como ele trabalha a harmonização destes dois conceitos nessa visão
teleológica da história da civilização. Com esse procedimento, poderemos cotejá -la com sua não
menos peculiar concepção religiosa desenvolvida em  A religião nos limites da simples razão, lá,
onde é também notável o interesse da razão prática em tal harmonização. Será, pois, a tentativa da
demonstração das simetrias existentes em ambas as concepções, expressas nas duas obras
supracitadas, o escopo do presente esforço e, nessa reflexão, buscar entender o modo como nosso
pensador logra promover o referido acordo entre natureza e liberdade.
As teleologias da história e da religião
Dividido em nove proposições, o opúsculo  Idéia de uma  história  universal de um ponto de
vista cosmopolita
1
, traz um Kant interessado em reconhecer o fio condutor que leva a história
humana à realização de seu fim último. Esse progresso teleológico dá-se, diz o pensador,
independente da percepção dos indivíduos que o seguem. Cada ser humano, buscando seus
interesses particulares  –  comumente uns contra outros  –  promove, desse modo, aquilo que Kant
chama de propósito da natureza. Assim, antes de mais nada, cumpre-se a exata compreensão do que
está aqui sendo classificado por natureza.
Na  Critica da razão pura  (que em sua primeira edição antecede a da  Idéia  em três anos),
Kant, numa seção da  Lógica transcendental  denominada  Analítica transcendental, distingue o
conceito de natureza sob dois aspectos: o material, referente ao empírico conjunto fenomênico da
multiplicidade das nossas representações em geral (a  natura materialiter spectata)
2
; e o formal, que
diz respeito ao ordenamento realizado sinteticamente pelas categorias  a  priori  de nosso
entendimento na recognição daquele múltiplo considerado (a  natura formaliter spectata), isto é, a
ordem e a regularidade dos fenômenos de acordo com a “natureza do nosso espírito”,   um
1
Obra doravante denominada no texto apenas como Idéia.
2
Cf. KANT, Crítica da razão pura, pp. 155 e 156.
4
fundamento interno de causalidade que já contém em si, objetivamente, os princípios subjetivos da
unidade sintética.
3
Embora não explicitado por Kant, isto  acaba por significar  que o funcionamento
de nossa capacidade cognitiva segue uma necessidade lógica racional mais “apriorística” que as
próprias categorias a  priori  do entendimento
4
.    Além disso, na mesma obra, mas já no âmbito das
considerações da seção  Dialética transcendental, a natureza é tomada pelo mundo considerado
como um todo dinâmico, atendendo
[...] não à agregação no espaço ou no tempo para o realizar como uma grandeza, mas à
unidade na existência  dos fenômenos. Neste caso, a condição do que acontece chama-se a
causa e a causalidade incondicionada da causa no fenômeno denomina -se liberdade; a
causalidade condicionada recebe o nome de causa natural no sentido mais estrito. O
condicionado na existência em geral designa-se por contingente e o incondicionado por
necessário. À necessidade incondicionada dos fenômenos pode chamar-se  necessidade
natural [grifo meu].
5
Assim, seria a partir desse sentido  formal  de natureza, da necessidade incondicionada dos
fenômenos  (ou seja, tal como nos  aparecem e não como são em si) apresentados na primeira
Crítica, que Kant teceria suas considerações na  Idéia. De outro modo, o esforço de sua filosofia
prática em conciliar a causalidade da natureza (em sentido geral), cuja metafísica é trabalhada na
Crítica da razão pura, com a causalidade da liberdade, exposta na  Crítica da razão prática  estaria,
de saída, baldado, uma vez que constituiria o fulcro aporético da  terceira antinomia da razão pura
da primeira Crítica
6
.
Contudo, na  Idéia, distinguindo a mera  acumulação de eventos da história empírica, que
chama de  Historie, da história do mundo, denominada  Weltgeschichte, o pensador elege esta
segunda como um  projeto: trata-se de estabelecê-la a partir da  idéia  de “(...) como deveria ser o
curso do mundo,  se  ele fosse adequado a certos fins racionais”
7
. Então, esse sentido da história,
3
Ibidem, pp. 167 e 168.
4
Entenda-se: a despeito da epigênese da razão pura que as categorias r epresentam para o nosso pensador, é
inevitável que consideremos que há, ainda que não cognoscível em si pelo nosso entendimento, mas indicada
pelo  nosso irrefreável e inato tender ao que nos transcende (alvo, justamente, da crítica kantiana, mas
reconhecido  por ele como uma espécie de  motus  acrítico  ao conhecimento), uma certa “ordem racional” que
conforma toda nossa cognição, algo como uma “natureza incondicionada geral”, obviamente, não trabalhada por
Kant dentro dos limites da razão pura, mas que, nem por isso, deve alijar-se de nossas considerações. De tod o
modo,  apenas  cito aqui esse questão. Tal reflexão extrapolaria em muito o escopo deste artigo, ficando para
considerações posteriores sua aprofundada apreciação.
5
KANT, Crítica da razão pura, pp. 387 e 388.
6
KANT, Crítica da razão pura, pp. 408 a 411.
7
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita,  p. 20. Cf. também a esse respeito,
TERRA, Algumas questões sobre a filosofia da história em Kant, pp. 44 e 45  (publicado como apêndice a esta
mesma tradução citada).
5
idealizado, e, portanto, não -incondicionado, diz respeito ao que é “(...) realizável sob certas
condições. Estas condições são o que Kant indica com o termo „natureza‟”
8
, esta sim, tomada
fenomenicamente, uma necessidade incondicionada, mas, do ponto de vista prático, submetida ao
fundamento da exigência de um mundo racional, isto é, a liberdade, de todo modo, incondicionada.
Será,  pois, nesse sentido, digamos, heurístico, que nosso pensador reconhecerá um propósito que
viabilize
[...] uma história segundo um determinado plano da natureza para criaturas que procedem
[individualmente] sem um plano próprio. Queremos ver se conseguimos encontrar um fio
condutor para tal história e deixar ao encargo da natureza gerar o homem que esteja em
condição de escrevê-la segundo este fio condutor.
9
Que natureza? A natureza humana, cujas exigências de uma ordem racional, condicionando
as próprias estruturas de nosso entendimento, não se detém diante da impossibilidade do
conhecimento  numênico  do real. Daí as primeiras palavras de Kant na  Idéia  serem precisamente
estas:
De um ponto de vista metafísico  [grifo meu], qualquer que seja o conceito que se faça da
liberdade da vontade, as suas manifestações [Erscheinungen] – as ações humanas –, como
todo outro acontecimento natural, são determinadas por leis universais.
10
Não obstante, esta estratégia, dando azo à nossa natural necessidade daquela ordem
racional, nem por isso, no campo  prático,  constitui um procedimento não formal, haja vista partir
de um horizonte claramente conceitual. Há que se notar, por fim, que “forma” aqui, contraposta a
conteúdo, significa estrutura de universalidade: o critério da filosofia prática kantiana é formal
porque o que se busca não é o resultado (o prazer, o lucro, os benefícios, enfim, os apelos
“materiais”) que nossa ação possa trazer, já que, de um modo ou de outro, redunda sempre
contingente, mas o princípio da  universalidade, ou seja, aquilo que todo ser racional
necessariamente experimenta  a priori.  Ainda assim, veremos, Kant percebe que o fim de nossas
ações, dada nossa própria natureza, não pode ser ignorado. Portanto, justamente o que levava aos
paralogismos e às aporias descritas na primeira  Crítica, a partir da Idéia – e de toda a obra kantiana
8
CHIODI, La filosofia kantiana della storia. In Rivista di Filosofia (58), p. 280, apud TERRA, p.49.
9
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, pp. 4 e 5.
10
Ibidem, p. 3.
6
de cunho prático
11
–  permite agora dirigir nossas ações independentemente da mecânica causal dos
fenômenos, pois a liberdade,  noumenon  por excelência, é o que fundamenta a lei moral que nos
orienta. Então, numenicamente, a natureza das ações humanas pode ser considerada sem
contradição como determinada por “leis universais”.
Isto posto, temos que na  Primeira proposição  da  Idéia,  Kant  parte do pressuposto de que
todas as nossas disposições naturais (como as de  qualquer outra criatura) destinam-se,
teleologicamente, ao seu completo desenvolvimento. Do contrário, não haveria na natureza uma
racionalidade normatizadora. Ora, dada sua intrínseca condição, no homem essas disposições
dizem respeito ao uso da característica exclusiva de sua espécie: a faculdade da razão. Ocorre que
tal faculdade trabalha, não à maneira do instinto apresentada em outros seres, mas pelo
procedimento da tentativa e erro e a transmissão do conhecimento ao longo das gerações, num
progresso paulatino até a perfacção de todas as disposições humanas, pois, no homem, a superação
da “ordenação mecânica de sua existência animal”
12
é o que há de natural, tendo em vista aquela
sua mais própria faculdade. Isso se dá, justamente, pela liberdade da vont ade humana que se funda
na razão. Então, de modo análogo ao descrito na segunda  Crítica, onde a determinação da vontade,
impondo-se independente de princípios empíricos, dava-se  a priori  na lei moral como um  factum
da razão
13
derivado da liberdade, devemos  tirar de nós mesmos, livremente, a nossa  felicidade ou
perfeição.
Mas como falar de felicidade, o mero fundamento de normas hipotéticas, no rigoroso
quadro da deontologia kantiana? É que, embora o imperativo categórico nos vete um agir moral em
função da  felicidade, a questão da finalidade desse agir
14
não nos é racionalmente indiferente.
Mesmo diante do fato de que devemos agir moralmente apenas pelo dever não podemos
simplesmente nos mostrar desinteressados se os justos são bem sucedidos ou não. Uma reali dade
onde estes fossem amiúde malogrados seria por demais negativa e, sobretudo, por definição,
irracional. Então, o agir pelo dever não finalisticamente de um lado, e de outro, a exigência racional
de uma certa ligação da justiça com a virtude  –  e destas  com a felicidade  –  são os pólos que, no
campo de sua filosofia prática, fazem com que Kant postule tanto a persistência da alma quanto a
existência de Deus, e passe, assim, às suas considerações religiosas. Ou seja, na arquitetônica
kantiana, a necessária  racionalidade do real é o que suscita de modo análogo tanto sua filosofia
11
Vale notar que a Idéia antecede não só a Crítica da razão prática, de 1788, mas até mesmo a  Fundamentação
da metafísica dos costumes, que lhe é posterior em um ano, vindo à luz em 1785.
12
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 6.
13
Ou seja, uma determinação como realidade objetiva da razão prática pura, tendo em vista a  representação  da
lei moral.
14
Reverbera aqui a teleologia aristotélica: não pode haver nenhum agir sem uma finalidade. Cf.
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, I, i e ss.
7
prática da história, presente na Idéia, quanto sua filosofia prática da religião, trabalhada na  Religião
nos limites da simples razão
15
.
De todo modo, esse procedimento progressivo, nos informa Kant na  Segunda proposição,
necessitando de um tempo demasiadamente longo, demandaria não uma só existência, mas várias,
talvez mesmo uma indefinida série  de  gerações que conduzissem na espécie humana o  germen
natural “àquele grau de desenvolvimento que é complemente adequado ao seu propósito”.
16
Destarte, as gerações passadas, ainda que inadvertidamente, lançaram os fundamentos para
a edificação de nosso propósito natural, o que implica na interessantíssima constatação, por parte
de Kant, na Terceira proposição, de que
[...] somente as gerações posteriores devam ter a felicidade de habitar a obra que uma
longa linhagem de antepassados [certamente sem esse propósito] edificou, sem mesmo
poder participar da felicidade que preparou. Por enigmático  que isto seja, é, entretanto,
também necessário, quando se aceita que uma espécie animal deva ser dotada de razão e,
como classe de seres racionais, todos mortais, mas cuja espécie é imortal, deve todavia
atingir a plenitude do desenvolvimento de suas disposições.
17
Já podemos notar aqui que, se no campo prático -religioso, a razão nos obriga a postular a
imortalidade da alma  (e a existência de Deus) para a conjugação no indivíduo entre o agir virtuoso
e a felicidade no outro mundo, no âmbito prático -histórico, o curso dos acontecimentos humanos,
vistos universalmente, encontra equivalente exigência: a  imortalidade da espécie  é o que garante
tempo suficiente para sua felicidade terrena, no desdobrar futuro do pleno desenvolvimento de suas
disposições. O curioso é o mecanismo de que a natureza se utiliza para a realização dessas
disposições: o antagonismo intrínseco à “insociável sociabilidade”, uma inata e evidente tendência
à sociabilização axialmente relacionada à constante ameaça de sua dissolução. Para Kant, por um
lado, temos uma inclinação para a sociabilidade, pois sentimo -nos mais humanos diante das
possibilidades de desenvolvimento de nossas disposições naturais que tal estado nos proporciona;
por outro, possuímos também uma forte tendência ao isolamento, dada a qualidade insociável que
nos habita e que nos conduz apenas ao nosso próprio interesse, fazendo com que tanto nos
oponhamos aos outros, quanto esperemos deles semelhante oposição.
Pois, a solução para o que vemos aqui é aquilo que na terceira  parte da  Religião  será
desenvolvido no âmbito da  eclesiologia  kantiana. Entendendo, como na  Idéia, que a convivência
15
Sua publicação data de 1793. Esta obra será doravante denominada no texto apenas como Religião.
16
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 6.
17
Ibidem, p. 8.
8
humana nos incentiva ao mal, Kant a considera um campo bastante propício para as influências
negativas. Para combater tal estado de coisas é necessário um estímulo à moralidade. Aí entra o que
ele chama de “igreja invisível”: um conjunto de pessoas que se convocam mutuamente ao dever
moral, isto é, a agir segundo o imperativo categórico do dever, em vista de sua universalidade. É
desde a visão da religião como “povo de Deus” em função de um “reino dos fins” que podemos
compreender o conceito kantiano de comunidade ética. Claro, essa é uma noção bastante singular
do imperativo categórico; e é o próprio Kant quem o constata:
Temos, pois, aqui um dever de índole peculiar, não dos homens para com homens, mas do
gênero humano para consigo mesmo. Toda a espécie de seres racionais está objetivamente
determinada, na idéia, a saber, ao fomento do sumo bem como bem comunitário. [...] é
uma idéia completamente diversa de todas as leis morais [que concernem àquilo que, pelo
que sabemos, está em nosso poder], a saber, a atuar em vista de um todo a cujo respeito
não podemos saber se ele está, como tal, também em nosso poder; por isso, este dever,
quanto à índole e ao princípio, é diferente de todos os outros.
18
Será justamente como pressuposto a tal peculiar idéia que o conceito de Deus, como um ser
moral superior, aparecerá aqui. Na medida em que a moralidade das ações diz respeito apenas ao
indivíduo, interiormente, a noção de comunidade ética  –  que, enquanto comunidade, é exterior por
natureza  –  necessita de outra instância legisladora capaz ordenar e promover em comum o agir
moral. Não podendo ser da ordem da coação
19
, esse supremo legiferar deve ser conce bido como
partindo de
[...] um ser relativamente ao qual todos os  verdadeiros deveres, portanto, também os
éticos, se hão-de representar  ao mesmo tempo  como mandamentos seus; o qual, por isso,
deve igualmente ser um conhecedor dos corações, para penetrar  no mais íntimo das
disposições de ânimo de cada qual e, como deve acontecer em toda a comunidade,
proporcionar a cada um aquilo que seus atos merecem.
20
Este, portanto, é o sentido que Kant atribui ao conceito de Deus como soberano moral do
mundo. E sua comunidade ética, a igreja propugnada pelo pensador, o povo de Deus unido sob seus
estatutos, em tudo concordes com a lei moral, como mandamentos divinos.
18
KANT, A religião nos limites da simples razão, pp. 103 e 104.
19
Pois tal redundaria em pura heteronomia, o que,  no pensamento  moral do iluminista Kant, seria inaceitável.
Continua valendo, mesmo para este peculiar dever comunitário, a regra primordial da  autonomia  (que é, afinal,
um dos postulados da razão prática) no acatamento dos imperativos morais: se devemos, podemos.
20
KANT, A religião nos limites da simples razão, p. 105.
9
Mas, voltando ao encaminhamento que Kant dá à reflexão sobre a “insociável
sociabilidade” na  Idéia, é justamente aquele antagonismo, próprio das relações sociais, que nos
açula, que nos move em direção à superação de nossa tendência à inação, o que nos leva também à
necessidade da promoção dessa comunidade ética. Assim, na  Quarta proposição, temos  que o
indivíduo é movido
[...] pela busca de projeção [Ehrsucht], pela ânsia de dominação [Herrschsucht] ou pela
cobiça [Habsucht], a proporcionar-se uma posição entre companheiros  que ele não  atura,
mas dos quais não pode  prescindir. Dão-se então os primeiros e verdadeiros passos que
levarão da rudeza à cultura, que consiste propriamente no valor social do homem; [...] com
o tempo [têm início] as toscas disposições naturais para o discernimento moral em
princípios práticos determinados e assim finalmente  transformar um acordo extorquido
patologicamente para uma sociedade em um todo moral.
21
Essa inegável dialética kantiana  –  que em nada assemelha-se à dialética transcendental da
primeira  Crítica, mas que igualmente dista daquela hegeliana
22
–  é o que faz com que aflorem
socialmente as faculdades humanas que, de outro modo, permaneceriam numa vida “arcádica” e
pacífica, em estado latente, apenas em germe: jazeríamos em um “sono eterno”, não
preencheríamos o “vazio da criação em vista de (nosso) fim como natureza racional”.
23
Não obstante, na medida em que os impulsos naturais
24
levam à insociabilidade e esta à
oposição geral, se produzem, de um lado, os males descritos na  Religião  –  que nada mais são que
os vícios do desvirtuamento da disposição para o bem da humanidade  (em inveja, rivalidade, ou na
abominável, mas bem tangível,  Schadenfreude,  i. e., a alegria pelos prejuízos alheios)  –, de outro,
também promovem com a tensão de forças implicadas o desenvolvimento de soluções para o
alcance e o aperfeiçoamento do estado cosmopolita, cuja gênese e estrutura serão o alvo das cinco
seguintes proposições na Idéia.
21
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, ps. 8 e 9.
22
A despeito de algumas interpretações como as de E.  Jacobi, Ricardo Terra, em seu supracitado artigo, ressalta
que esse antagonismo refere-se a um desenvolvimento contínuo e não propriamente a uma  Aufhebung. Para
tanto, evoca as palavras de K. Weyand, segundo o qual “a correlativa ação conjunta de iso lamento e associação
na verdade leva ao desenvolvimento, não se suprime (aufhebt) em um mais alto nível de cultura, mas continua
existindo e, mesmo no estado cosmopolita postulado, não desaparece”. Cf. TERRA,  op. cit., p.62, n.93.
23
KANT,  Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 9. Parece-me  importante
observar que não devemos ver aqui um  insight  darwinista  avant la lettre: existe, ao contrário, uma clara
determinação dessa natureza, onde não há espaço para o acaso que é fundamen tal na teoria da seleção natural.
24
E aqui trata-se mesmo do aspecto até certo ponto pático da natureza humana, num espelhamento da tendência
originária para o bem na determinação do homem quanto a sua disposição para a  humanidade  como ser  vivo  e
racional, tal qual exposto na primeira parte da Religião (cf. p. 33).
10
Deste modo, a  Quinta proposição  já traz um problema: o alcance de uma  sociedade civil
que seja universalmente justa, e que permita, ao mesmo tempo, a máxima liberdade para o
desenvolvimento de todas as disposições (que constitui o “mais alto propósito da natureza”) e o
conseqüente antagonismo de seus membros. A solução kantiana aponta para aquela que se
apresenta como nossa maior tarefa enquanto seres so ciais racionais: a  constituição civil. De fato,
esta tornaria viável à natureza o alcance de todos os demais propósitos relativos à nossa espécie. É
através da constituição civil como o poder supremo, que aquela nossa liberdade sob “leis
exteriores” pode unicamente ser, de modo justo, submetida:
É a necessidade que força o homem, normalmente tão afeito à liberdade sem vínculos,
a entrar neste estado de coerção; e, em verdade, a maior de todas as necessidades, ou seja,
aquela que os homens ocasionam uns aos  outros e cujas inclinações fazem com que eles
não possam viver juntos por muito tempo em liberdade selvagem. Apenas sob um tal
cerco, como o é a união civil as mesmas inclinações produzem o melhor efeito.
25
Não só a ordem social, mas mesmo todo esplendor  cultural e artístico que a humanidade
produziu derivam diretamente dessa insociabilidade à medida que é compelida ao artifício imposto
da sociabilização. Esta, para Kant, promove entre os indivíduos a relação externa da mútua
convocação à moralidade que jaz internamente como dever em cada um. Tanto que o respeito  –
praticamente único sentimento justificado no âmbito moral, dado que se produz unicamente pela
razão, não tendo, pois, nada de patológico  – é o que nos advém quando encontramos uma pessoa de
elevada estatura moral: o respeito (Achtung) que temos por alguém mostra-se, na verdade,
reverência à lei “plasmada” pelo exemplo posto diante de nós como tal pessoa
26
. Mas a empresa da
sociabilização encerra uma profunda dificuldade.
Na Sexta proposição da Idéia, Kant reconhece que, posto ser um animal, e, como tal, sujeito
a todas aquelas inclinações sensíveis esquadrinhadas na  Religião, o homem não pode prescindir de
um  Senhor. Sem este, a liberdade de que naturalmente goza seria, relativamente aos outros,
irrefreável. Assim, é necessário que haja uma liderança que, submetendo a vontade particular desse
homem, o obrigue à racionalidade de uma vontade válida para todos e que garanta a liberdade
universal. O problema está exatamente em descobrir entre os homens  –  afinal, igualmente sujeitos
25
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, pp 10 e 11.
26
Trata-se de experiência reverencial análoga àquela da idéia do Cristo arquetípico, ínsita em nós, como um
homem moralmente agradável a Deus, tal qual é trabalhada na segunda parte da  Religião  (cf. p.67 e ss.). Nesse
sentido, o respeito ao exemplo da pessoa moral se daria como “cópia”, como  éktypos  (literalmente, “talhado em
relevo”), enquanto Cristo, nosso  archétypon  subjetivo (da objetividade da lei moral), seria exatamente seu
modelo.
11
àquelas inclinações egoístas e ao abuso de sua liberdade  –  este líder, por si mesmo justo. Esta é,
para Kant, a mais árdua das tarefas, pois, sua perfeita solução é impraticável: “(...) de uma madeira
tão retorcida, da qual o homem é feito, não se pode fazer nada de reto: Apenas a  aproximação
(grifo meu) a esta idéia nos é ordenada pela natureza”
27
.
Não há, portanto, equação possível para o problema se nos ativermos à idéia de uma
solução de poder individual. Semelhante senhor deveria agregar um conjunto de qualidades
virtualmente inalcançáveis por qualquer indivíduo isoladamente: precisão quanto aos conceitos de
uma constituição possível; toda a experiência cultivada através da história do mundo
(Weltgeschichte); e, sobretudo, uma boa vontade, que esteja pronta a abraçar, desinteressadamente,
a empresa desta constituição. Ou seja, tal missão da natureza não está ao alcance dos indivíduos
enquanto tais, dadas suas limitações e idiossincrasias, mas pode competir tão somente à sua
universalização: apenas a  espécie  humana pode esperar a aproximação desta destinação natural,
esta perfeição exigida pela racionalidade kantiana, este, por que não, “sumo bem” terreno. E é
justamente neste ponto que podemos ver em ação a teleologia formalist a tão cara ao pensamento
kantiano. É ela que impele o nosso filósofo à pergunta retórica de sua  Sétima proposição: “será
mesmo racional aceitar a finalidade das disposições naturais em suas partes e, no entanto, a
ausência de finalidade no todo?”
28
Ora, seria profundamente irracional se estivéssemos destinados enquanto indivíduos à
realização de nossas disposições naturais  –  embora o progresso inerente na história de nossa
civilização dependa de sua regulação e ordenamento sob estatutos civis  –  e a mesma natureza,
universalmente considerada, “por meio de uma arte que lhe é própria, embora extorquida do
homem”
29
, se desencontrasse da sua mais elevada finalidade. Mas, notemos, o que valerá na
apreciação da razão prática desenvolvida na segunda  Crítica, bem como   na  Fundamentação da
metafísica dos costumes  e, é claro, na  Religião, também aqui já se impõe como condição  sine qua
non  para a consecução do projeto cosmopolita: “(...) todo bem que não esteja enxertado numa
intenção moralmente boa não passa de pura aparê ncia e cintilante miséria.”
30
Isto é, o mesmo dever
que valerá como baliza para as máximas das ações morais do homem, vale também para o gênero
na urdidura e atuação do Estado republicano.
De fato, o  télos  desse projeto deve ser visto justamente como a co ncretização do encontro
entre a história e a natureza humanas. Tanto que, na Oitava proposição, Kant diz que podemos
27
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 12.
28
Ibidem, p. 15.
29
Ibidem, p. 14.
30
Ibidem, p. 16.
12
[...] considerar a história da espécie humana,em seu conjunto, como a realização de um
plano oculto da natureza para estabelecer uma constituição política perfeita interiormente
e, quanto a este fim, também exteriormente perfeita, como o único estado no qual a
natureza pode desenvolver plenamente, na humanidade, todas as suas disposições.
31
Se pouco divisamos empiricamente algo que indique a existência desse propósito oculto,
isto se deve à própria característica do processo: o tempo que tal percurso exige para se cumprir é
demasiado longo  –  que é, afinal, o que obriga a sua efetivação apenas na espécie como um todo e
não nos indivíduos tomados isoladamente. Entretanto, assim como os pontuais conhecimentos
astronômicos adquiridos ao longo do tempo foram suficientes para o reconhecimento de
determinadas leis universais no mundo, a experiência possível desse nosso encaminhamento
teleológi co permite a entrevisão de seu princípio geral. Na verdade não faz sentido que nossa
natureza, dada sua disposição racional, lhe seja indiferente, uma vez que podemos  esperar  que ela
acelere seu advento. E, a despeito de Kant constatar em seu tempo um está gio ainda incipiente para
a aproximação a este fim, a própria circunstância política que presenciava  – a formação, entre o fim
do século XVIII e o início do século XIX, dos Estados Nacionais  –  justificava ainda mais seu
encaminhamento. Embora considerando  o  Staatskörper  de sua época ainda um “esboço grosseiro”
desse futuro corpo político universal, Kant via na artificialidade das relações entre os Estados, além
de uma demonstração mais amplificada daquele mecanismo dialético da “insociável sociabilidade”,
também uma garantia das próprias recém reivindicadas  –  e até certo ponto conquistadas  –
liberdades civis
32
. Então, devemos alimentar a esperança de que, após uma longa série de
transformações, aquele propósito supremo da natureza possa, um dia, ser realizado : o Estado
cosmopolita universal, em cujo seio “(...) podem se desenvolver todas as disposições originais da
espécie humana.”
33
Finalmente, a  Nona  proposição  assinala que o esforço filosófico para a elaboração de uma
história universal mediante um  propósito  natural, tendo em vista a união civil de nossa espécie,
deve ser considerada não apenas possível, mas favorável à consecução deste mesmo propósito.
Kant  retira, portanto, da lógica e da utilidade desta idéia, que abarca até o jogo da liberdade
humana, sua razoabilidade e justificação: sendo “secretas” as estruturas de tal mecanismo, sua
31
Ibidem, p. 17.
32
Tanto que, na mesma proposição (cf. p18) declara que “nenhum deles (os Estados) pode negligenciar a cultura
interna sem perder em poder e influência diante dos outros; assim os propósitos ambiciosos asseguram bem, se
não o progresso, ao menos a manutenção dessa finalidade da natur eza. Mais ainda: a liberdade civil hoje não
pode mais ser desrespeitada sem que se sintam prejudicados todos os ofícios, principalmente o comércio, e sem
que por meio disso também se sinta a diminuição das forças do Estado nas relações externas.” Na esteir a dessas
liberdades individuais Kant chega a identificar a própria liberdade universal de religião.
33
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 19.
13
concepção serve de fio condutor na exposição do sentido da história, planificado, e não um mero
agregado assistemático de nossas ações ao longo do tempo. Kant considera essa justificação (no
fundo, voltada para a esperança) de não pouca monta, chegando a atribuir à natureza assim
entendida a qualificação de Providência, e, como seu corolário, pergunta:
De que serve enaltecer a magnificência e a sabedoria da criação num reino da natureza
privado de razão, de que serve recomendar sua observação, se a parte da vasta cena da
suprema sabedoria que contém o fim de todas as demais  –  a história do gênero humano  –
deve permanecer uma constante objeção cuja visão nos obriga a desviar   os olhos a
contragosto e a desesperar de encontrar um propósito racional completo, levando-nos a
esperá-lo apenas em um outro mundo?
34
Considerações finais
Se, por um lado, no que tange à realização individual, a razão nos faz pressupor a persistência
de nossa alma e a existência de Deus para a consumação de um concerto entre o cumprimento do
dever e a felicidade, por outro, podemos esperar que haja, engendrando racionalmente o progresso
da espécie humana, um fim que realize todas as nossas disposições para o sumo bem na própria
história. Ambos os aspectos são, na verdade,  postulados  kantianos. Postulado significa não um
conhecimento teórico-especulativo, mas uma exigência racional a partir do dever e de seu exercício
seja no indivíduo ou na espécie.  Não conhecemos especulativamente a liberdade, a imortalidade da
alma, Deus ou a finalidade da história da civilização, mas possuímos uma exigência racional prática
de cada um a partir da nossa ação moral no mundo. Postulamos também, pois, no sentido de situar
um horizonte para realização do nosso dever-ser.
E é para tal realização que Kant emprega o termo “prático” em sua filosofia moral. Este
termo faz referência a um agir normativo, mas que se dá intersubjetivamente. Seus princípios
podem ser máximas (subjetivas), sempre próximas à ação concreta, e imperativos (objetivos) que,
por sua vez, ou são hipotéticos que, numa relação meio -fim, revelam-se condicionais, ou
categóricos, isto é, incondicionados. Contudo, mesmo o imperativo categórico, a despeito de
f ormular aprioristicamente o dever pelo dever, sendo, afinal, um princípio para a ação no mundo
não deixa de atingir também, de certo modo, um objetivo. Há um  télos  implícito aqui o que,
portanto, nos impede de desconsiderar a finalidade  tout court. Kant sabia muito bem que os
resultados de nossas ações morais não poderiam ser ignorados. Ele notou que   essas ações
34
Ibidem, pp. 21 e 22.
14
acabariam, forçosamente, tendo um efeito no mundo: sempre existem indeléveis conseqüências
advindas de nossos atos, ainda que sua baliza seja uma  forma  cuja estrutura tem que ser
universalmente válida.
Como os resultados de nossas ações não podiam permanecer indiferentes à nossa razão,
Kant precisava encontrar, seja na religião ou na história, na realização do homem ou da
humanidade, no outro ou nesse mundo, a conjugação de dois elementos: moralidade e felicidade.
Assim, para ele, a teleologia dos postulados representou a solução racional para a união de ambas;
mediante ela, o agir moral e o sumo bem  (ou seja, a conduta meritória aliada à esperança d a
felicidade)  tornaram -se compatíveis  justamente pela exigência  da  razão prática:  uma exata
proporcionalidade entre a ação e a esperança.    Ademais, do contrário, o acatamento do dever seria,
convenhamos, altamente desestimulante para a própria moralidade.  Por isso, boa parte do esforço
das reflexões expressas tanto na  Religião  quanto na  Idéia, como vimos, gira em torno da tentativa
do resgate da motivação subjetiva para o agir moral, este, fulcro do pensamento prático kantiano.
E é exatamente por isso, porque seria mesmo irracional aquela indiferença, que logo no
prólogo à primeira edição da  Religião  Kant, ressaltando o valor motivador da noção de fim último,
declara peremptoriamente que essa teleologia é o que garante realidade praticamente objetiva à
harmonia entre liberdade e natureza:
[...]  Não pode, pois, ser indiferente à moral que ela forme ou não para si o conceito de um
fim último de todas as coisas  [concordar a seu respeito não aumenta o número dos seu s
deveres, mas proporciona-lhes, no entanto, um particular ponto de referência da união de
todos os fins];  só assim se pode proporcionar realidade objetiva prática à combinação da
finalidade pela liberdade com a finalidade da natureza, combinação de que não podemos
prescindir [grifo meu].
35
Em suma, a  esperança  de alcançar o sumo bem, o ponto  de referência  que  reforça a
motivação do agir moral, é também o ponto em comum que torna possível  a compatibilização da
natureza com a liberdade. Ou seja, para Kant, não nos basta, inclusive mediante a razão, que exista
somente a realidade de um mundo em geral do qual façamos parte e do bem supremo moral, o
factum do dever, a primeira experiência de todo ser humano como um comando racional e não algo
que seja posteriormente explicável, que habita-nos, universal e primeiramente, desde sempre, e se
não o cumprimos, sentimos o peso da falha. Mas nos é imprescindível  poder  esperar que também
exista um mundo – futuro, no caso da história, escatológico em termos de religião  – onde imperaria
a moral e, em sua decorrência, a consecução da harmonia entre virtude e felicidade, isto é, o reino
35
KANT, A religião nos limites da simples razão, p. 13.
15
dos fins, o reino do sumo bem. Mais. Mesmo se não pudermos ser assim tão felizes, havemos de
querer para os outros, para o conjunto dos homens a felicidade, ainda que proporcionada  à medida
da virtude de cada um. E o que sustenta esse “otimismo” teleológico por parte de Kant é o fato de
que, embora provoquemos muito amiúde o mal ao próximo, pela própria mecânica da dialética
proposta naquela idéia de história, esse mal, ainda que rad ical, nunca apaga totalmente a disposição
para o bem que nos é essencial como seres livres e racionais.
Bibliografia
ARISTOTLE.  Nicomachean Ethics. Translated by H.  Rackham. Cambridge and London: Harvard
University Press, 2003.
KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70,
1992.
_______________.  Crítica da razão prática/Kritik der praktischen Vernuft. Ed. Bilíngüe. Trad.
Valério Rohden. São Paulo: Martins fontes, 2003.
_______________.  Crítica da razão  pura. Trad. Manuela p. dos Santos e Alexandre F.   Morujão.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 3ª ed., 1994.
_______________.  Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Trad.
Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra (org.). São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed., 2004.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Jesus era analfabeto?



ANALFABETO?


É muito provável que Jesus não soubesse ler. Em entrevista a VEJA.com, o historiador André Chevitarese afirmou que os analfabetos eram cerca de 95% da população da região onde vivia Jesus. Além disso, trechos bíblicos que relatam Jesus lendo ou escrevendo são alvo de discussão entre pesquisadores.

Fonte: http://www.msn.com/pt-br/noticias/fotos/11-coisas-que-a-ci%C3%AAncia-j%C3%A1-sabe-sobre-o-homem-chamado-jesus/ss-AA8Azz4?ocid=mailsignoutmd#image=6


Como era o rosto de Jesus Cristo?







FISIONOMIA

Richard Neave é um pesquisador britânico especializado em ciência forense. Com base em crânios do século I e softwares de modelagem 3D, ele reconstituiu o rosto de um adulto típico do tempo de Jesus. E o resultado foi um homem moreno e de cabelo curto, bem diferente das representações mais conhecidas de Jesus. 
Fonte: http://www.msn.com/pt-br/noticias/fotos/11-coisas-que-a-ci%C3%AAncia-j%C3%A1-sabe-sobre-o-homem-chamado-jesus/ss-AA8Azz4?ocid=mailsignoutmd#image=7

Qual era a verdadeira profissão de Jesus?












PEDREIRO Jesus pode ter trabalhado como... pedreiro. Quem afirma isso é o historiador John Crossan. "Em Marcos, o mais antigo dos Evangelhos, Jesus é chamado de tekton, que no grego do século 1 designava um trabalhador do tipo pedreiro, não necessariamente carpinteiro", afirmou ele em entrevista à Superinteressante.

Fonte:http://www.msn.com/pt-br/noticias/fotos/11-coisas-que-a-ci%C3%AAncia-j%C3%A1-sabe-sobre-o-homem-chamado-jesus/ss-AA8Azz4?ocid=mailsignoutmd#image=8




Um fragmento que indica que Jesus teria tido uma esposa teve sua veracidade confirmada






CASADO?

Um fragmento que indica que Jesus teria tido uma esposa teve sua veracidade confirmada por Karen King, historiadora da Havard Divinity School. De acordo com os pesquisadores, a tinta e a linguagem registradas no papiro indicam que ele deve ter sido escrito no século IX.
Embora não sirva como prova de que Jesus teve uma esposa, a descoberta aponta que cristãos daquela época tinham uma visão diferente da mulher.
Fonte: http://www.msn.com/pt-br/noticias/fotos/11-coisas-que-a-ci%C3%AAncia-j%C3%A1-sabe-sobre-o-homem-chamado-jesus/ss-AA8Azz4?ocid=mailsignoutmd#image=9