quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

NATUREZA HUMANA COMO DOMÍNIO DE APLICAÇÃO DA RELIGIÃO DA RAZÃO

NATUREZA HUMANA COMO DOMÍNIO DE APLICAÇÃO
DA RELIGIÃO DA RAZÃO
1
ZELJKO LOPARIC
PUCSP / Unicamp
loparicz@uol.com.br
Resumo: Depois de formular, de modo esquemático, o problema fundamental de religião em Kant – o de
decidir se o homem é moralmente bom ou mau –, o artigo trata do conceito kantiano de religião da razão,
enfatizando que Kant propõe uma doutrina da religião sem Deus, embora não sem a idéia de Deus. Na
seqüência, desenvolve a concepção kantiana da natureza humana, mostrando que essa concepção delimita
o domínio factual sobre o qual Kant interpreta os predicados religiosos fundamentais: moralmente bom e
moralmente mau.
Palavras-chave: Kant. Religião da razão. Deus. Natureza humana. Semântica.
Abstract: After formulating in schematic way the fundamental problem of religion in Kant – that of de-ciding whether man is morally good or bad – the article discusses the his concept of religion of reason,
emphasizing that Kant put forward a doctrine of religion without God, although not without the idea of
God. Next, the article develops Kant´s views on human nature, and shows that these views delimit the
factual domain of application to which are applied the fundamental predicates of religion, morally good
and morally bad.
Key words: Kant. Religion of reason. God. Human nature. Semantics.
1. A DOUTRINA DA RELIGIÃO DA RAZÃO COMO SOLUÇÃO DO PROBLEMA FUNDA-MENTAL DA RELIGIÃO
O objetivo do presente trabalho é apresentar um breve esboço dos elementos da
doutrina kantiana da religião, exposta em Religião dentro dos limites da mera razão, de
1793, e em vários outros textos da fase tardiado pensamento kantiano. Essa doutrina se
propõe, conforme se lê no final do prefácio à primeira edição da obra mencionada, a
“tornar visível
2
a relação da religião com a natureza humana, portadora de predisposi-ções em parte boas e em parte más” (Kant 1793b, B XX).
3
Kant não tem em vista a re-ligião revelada, mas a religião natural, isto é, a religião da razão. Se tomada no sentido
subjetivo, a religião da razão é “o conhecimento de todos os nossos deveres como man-damentos divinos” (p. 216). No sentido objetivo, ela é idêntica à moral, isto é, consiste
no conhecimento “de que algo é um dever, antes de eu poder reconhecê-lo como man-1
O presente trabalho é uma versão ampliada e modificada da palestra proferida II Colóquio de História da
Filosofia, Marília, 06-11/08/2006 e, antes disso, naabertura do VIII Colóquio Kant, Unicamp, Departa-mento de Filosofia, 29-31/05/2006.
2
No original: “bemerklich zu machen”.
3
Utilizo “predisposição” para traduzir “Anlage”, termo pelo qual Kant traduz o latim praedispositio
(1797b, p. 35).
Kant e-prints. Campinas, Série 2, v. 2, n.1, p. 73-91, jan.-jun. 2007.
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damento divino” (ibid.). Kant chama o conjunto de deveres tomado tanto no sentido
subjetivo como no objetivo de “princípio bom” e o seu oposto – esse conceito será ex-plicitado melhor a seguir – “princípio de mau”.
A tarefa de tornar visível a relação da religião com a natureza humana, será con-cebida por Kant a de representar o “princípiobom” da religião e o seu oposto, o “princí-pio mau”, “como
4
duas causas existentes por si e exercendo influência, agindo sobre o
homem” (ibid.), isto é, interpretará essa oposição lógica entre os predicados “moralmente
bom” (Bm) e o seu complemento “moralmente mau” (Mm) em termos de uma oposição ou
conflito real.
O estudo desse conflito será articulado emquatro partes do livro sobre a religião.
A primeira parte trata do problema de assentamento (Einwohnung)
5
do princípio bom,
ao lado do mau, na natureza humana, que é a condição de possibilidade de aplicar os
predicados BB
me Mmao homem. A solução desse problema é base da solução de todos os
outros, abordados nas três partes da Religiãoque se seguem: o da luta do princípio bom
com o mau pelo poder sobre o homem; o da vitória do princípio bom (em termos religi-osos: da instituição de um reino de Deus naterra); e, finalmente, o da conduta da vida
de acordo com a totalidade dos deveres (o serviço prestado a Deus pelos seres humanos
sob o comando do princípio moralmente bom).
6
Kant se apoiará na doutrina da religião da razão assim estruturada para resolver
o problema de saber se o homem é moralmente bom ou moralmente mau.
7
Essa pergun-ta está, observa Kant, na base do desacordo, de longa data, entre os moralistas, segundo
a maneira como interpretam a disjunção mencionada – os dois lados da disjunção são
exclusivos e só um deles vale; ou então, os dois disjuntivos não são exclusivos e ne-nhum deles é válido ou, dependendo das circunstâncias, tanto um como o outro pode
valer. Mas ele também pertence á religiãoda razão, pois ele é apenas uma diferente
formulação do problema de assentamento do princípio bom, ao lado do mau, na nature-za humana, que é, como acabo de dizer, o principal assunto da primeira parte da Religi-ão. Pode-se concluir, portanto, que saber se o homem é moralmente bom ou moralmente
4
No original: “gleich als”.
5
Para traduzir “Einwohnung“ de Kant poderiam ser usados também os termos “alojamento” e “implanta-ção”.
6
Uma valiosa apresentação geral do livro da Religião, menos comprometida com uma interpretação uni-tária, encontra-se em Herrero 1991.
7
Kant diz tanto moralisch gut(1797b, p. 5) como sittlich gut(p. 8). Creio que, aqui, essas duas expres-sões são sinônimas.
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mau é, segundo Kant, o problema fundamental da filosofia da religião, tanto da tradi-cional (pré-crítica), como da transcendental (crítica).
A fim de facilitar a compreensão da estrutura desse problema, tal como formula-do na Religião, bem como a solução apresentada por Kant (baseada na relação, tornada
visível, entre a religião e a natureza humana), convém considerar separadamente os dois
termos dessa relação. A solução propriamente dita será tratada em um trabalho separado
(cf. Loparic 2007).
2. A RELIGIÃO DA RAZÃO
Para Kant, a religião não é a revelação contida nas Escrituras,mas uma doutrina
da razão prática, definida como “conhecimento de todos os nossos deveres como man-damentos divinos” (1793b, p. 230). Os deveres em questão certamente incluem os espe-cificamente morais. Limitar-me-ei a estes, deixando em aberto a questão de saber se os
deveres do direito e da virtude, explicitados na Metafísica dos costumes(1797), também
fazem partes dos deveres dos quais trata a doutrina da religião.
A teoria moral de Kant, tal como apresentada, em 1785, na Fundamentação da
metafísica dos costumes, faz derivar os deveres morais da lei moral: dever é “a necessi-dade de uma ação devido ao respeito pela lei” (1785, p. 14; os itálicos estão no origi-nal). Note-se que, já nesse trecho, o dever, a necessidade ou a obrigatoriedade de uma
ação, é definido como decorrente de lei moral sensificada pelo respeito que inspira nos
agentes humanos. Contudo, esse aspecto da problemática da teoria kantiana do dever
moral não será objeto de estudo mais aprofundado na Fundamentação. O interesse de
Kant está voltado para a fórmulade lei moral, descoberta e especificada como condição
necessária e suficiente da moralidade a partirdo conceito de um ser racional de modo
inteiramente a priori, mediante o uso da parte regressiva, propriamente analítica, do
método combinado de análise e síntese.
8
Não foi feito qualquer recurso às feições (Bes-chafenheiten)
9
específicas da natureza humana, objeto de estudo não da psicologia em-pírica, mas da “antropologia prática”, parte “empírica” e ainda não elaborada (estamos
em 1785) da ética ou filosofia prática, cuja parte pura é a metafísica dos costumes ou a
8
Cf. 1785, pp. 35 e 74. Esta tese é detalhada em Loparic 1999.
9
Uso o termo “feição”, derivado de fectio, facere, fazer, criar, para traduzir o alemão Beschaffenheit,
derivado de schaffen, fazer, criar, freqüentemente empregado por Kant para se referir aos atributos morais
ou pragmáticos do homem. Essa escolha facilita a discusão da relação entre feições físicas e morais. Re-servo o termo “propriedade”, derivado de “próprio”, para verter Eigenschaft, que tem semelhante origem
etimológica e que, em Kant, designa indiscriminadamente atributos teóricos e práticos.
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moral (p. VI).
10
Num próximo passo, a moral determina, em termos da lei moral a prio-rienunciada como imperativo categórico, o que é moralmente bom (BB
m ) ou moralmente
mau (Mm).
Na doutrina da religião, todos esses elementos são inseridos numa perspectiva
mais ampla: a lei moral e os deveres morais– e, por conseguinte, os predicados “mo-ralmente bom” e “moralmente mau” – são qualificados, adicionalmente, como impostos
por um legislador divino santo, pensado comoexterno ao ser humano. Kant enfatiza que
essa definição não implica qualquer juízo teórico sobre a existência de Deus (1793b, p.
230 nota), mas uma “fé prática”, que não precisa da hipótese teórica da existência de
Deus, mas “tão-somente da idéia de Deus, à qual deve chegar inevitavelmente toda ela-boração do bem moralmente séria (e, por isso, crente)” (ibid.). Por que? Porque, “o con-ceito de divindade [Gottheit] surge na verdade tão-somente da consciência das leis mo-rais e da necessidade da razão de assumir umpoder que possa assegurar, a essas leis, o
efeito inteiro, possível no mundo e compatível com o fim último moral” (p. 139).
As implicações dessa abordagem dareligião foram extraídas na Doutrina de vir-tude(1797), com a distinção entre o sentido material (deveres para com Deus) e formal
(o caráter divino da lei moral) da religião. A religião como doutrina dos deveres para
com Deus está “além de todos os limites da ética puramente filosófica” (1797b, p. 182).
À esta, isto é, à filosofia prática pertence tão-somente a religião no sentido formal, que
usa a idéia de Deus para qualificar adicionalmente a legislação da razão. Kant escreve:
O aspecto formal[das Formale] de toda religião, desde que a religião seja definida co-mo “a soma de todos os deveres como(instar) comandos divinos”, pertence à moral fi-losófica, uma vez que tal definição expressa somente a relação da razão com a idéia de
Deus que a razão produz para si mesma; e isso não transforma, adicionalmente, um de-ver religioso num dever para com (erga) Deus, como um ser que existe fora de nossa
idéia, posto que ainda abstraímos de sua existência. O fundamento sobre o qual um ser
humano deve pensar todos os seus deveres em conformidade com esse aspecto formal
da religião (a relação deles com uma vontade divina dada a priori) é apenas subjetiva-mente lógico, quer dizer, não podemos tornar a obrigação (a necessitação moral) intuiti-va para nós mesmos, sem com isso pensar na vontade de outrem, a saber, a de um Deus
(da qual a razão, ao legislar leis universais, é apenas o porta-voz). (Kant 1797b, p. 181)
Na seqüência, Kant enfatiza e esclarece o caráter “subjetivamente lógico” da sua
concepção da religião:
10
Já na primeira Crítica, Kant fala em antropologia como disciplina distinta da psicologia empírica (ciên-cia natural empírica do homem) e que precisa ainda ser elaborada a fim de permitir a elaboração de uma
“filosofia aplicada” cujos princípios são contidos na filosofia pura (KrV, B 876-7).
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Mas esse dever relativamente a Deus(expressando-nos propriamente, relativamente à
idéia que nós mesmos fazemos de um tal ser) é um dever de um ser humano para consi-go mesmo, isto é, não é objetivo, uma obrigação de prestar certos serviços para outro,
mas apenas subjetivo, em prol do fortalecimento [Stärkung] do móbil moral na nossa
própria razão legisladora” (ibid.).
Ora, o fortalecimento do móbil moral é sinônimo de aumento da virtude, que é
definida precisamente como “força [Stärke] moral das máximas” (1797b, p. 46), essa
robustez (robur) podendo ser aumentada por exercíciosde vários tipos (p. 33). Nesse
contexto, a idéia de Deus não é usada para fazer referência a algo, mas, como diz Kant
no parágrafo 18 da Doutrina da virtude, para pôr em evidência um momento do sentido
da lei moral, a saber, o seu caráter incondicional, absoluto. Ao aplicarmos a idéia de
Deus à lei moral, não afirmamos nem negamos a existência de um objeto, mas tão-somente qualificamos adicionalmente a natureza da lei moral com vistas a modificar o
modo de agir dos seres humanos e fazer com que progridam moralmente. Nessa função,
a idéia de Deus torna-se, como diz Kant no mesmo livro, um construto humano “da
maior fertilidade ética” (1797b, p. 110).
11
A mesma tese é retomada num trecho do Conflito das faculdades, no qual se lê
que a religião difere da moral apenas formalmente, isto é, por conceber a legislação da
razão de maneira a “dar à moral, pela idéia deDeus gerada a partir da própria moral, a
influência sobre a vontade humana para fins do cumprimento de todos os seus deveres”
(1798b, p. 45). A verdadeira finalidade da religião não é doutrinal – fazer afirmações
sobre o que é e o que não é – mas a de “formar seres humanos moralmente melhores”
(p.109). De acordo com isso, os “artigos de fé”, entenda-se “de fé da razão”, não enun-ciam “o que deve ser acreditado (visto que a fé não permite nenhum imperativo), mas
aquilo que é possível assumir, em conformidade com os fins [morais], sem poder ser
demonstrado, e que, portanto, só pode ser acreditado” (p. 57). Uma fé que “nem produz
um homem melhor nem o demonstra, não faz parte da religião” (ibid.).
3. ALGUMAS CONSEQÜÊNCIAS DA CONCEPÇÃO KANTIANA DA RELIGIÃO
Antes de prosseguir, gostaria de chamar atenção para as conseqüências inespera-das dessa reformulação da doutrina filosófica da religião, inesperadas se olharmos para
a religião na perspectiva tradicional dogmática e não na crítica, lógico-semântico-11
A virtude, força das máximas morais no homem, difere essencialmente da graça, a assistência sobre-natural que ajuda a remediar as fragilidades da natureza humana. A garça é um parergon, um negócio
lateral, que, embora toque a religião, não pertence e ela, ou seja, a obtenção dos efeitos da graça não pode
ser recebida nas máximas da razão e, por isso, a graça não é objeto de estudo da filosofia prática (p. 64).
Kant e-prints. Campinas, Série 2, v. 2, n.1, p. 73-91, jan.-jun. 2007.
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pragmática, adotada por Kant. Pois, segue-se que a pergunta: Deus existe? nãofaz mais
parte dos problemas centrais da filosofia da religião. Trata-se de uma doutrina de religi-ão sem Deus, mas não sem a idéia de Deus. Em particular, o problema fundamental da
religião será formulado e resolvido sem Deus, embora não sem a idéia de Deus (Gott)
ou, como Kant também diz, da divindade (Gottheit). O uso do conceito de divindade
12
parece dar a entender que Kant, ao afastar Deus, o absoluto externo, da formulação e da
solução do problema fundamental da religião, está tentando tematizar o absoluto como
traço da dimensão interna supra-sensívelda natureza humana, por onde o criticismo
kantiano estaria filiado, mais do que deixa transparecer, a uma certa teologia e mesmo
mística protestante.
13
É preciso notar, que, aqui, a expressão “dimensão interna supra-sensível da natureza humana” designa a feição do homem de ser agente livre, isto é, de
poder agir de acordo com as leis da liberdade propriedades. Refiro-me, portanto, à hu-manidade (Menscheit) do homem, a sua “personalidade independente das determinações
físicos”, não ao homem (Mensch), enquanto portador de determinações físicas (cf.
1797a, p. 48n).
Além disso, na Religião, Kant distingue três idéias de Deus: legislador santo,
governante bondoso do mundo e juiz justo dos homens.
14
Os três conceitos de Deus são
claramente distinguidos também em outros textos, por exemplo, em Kant 1791. A histó-ria de Jó, tratada por Kant nesse escrito, ilustra a obediência incondicional deste homem
ao Deus legislador santo e a sua perplexidade quanto ao que fazem o Deus governante
do mundo e o juiz dos homens.
Na Religião, os “três Deuses” são reduzidos a três “pro-priedades morais divinas” (p. 293), a serem usadas para guiar o agir moral, e não para
pensar um ente que as reúna. Essa é a transposição kantiana do conceito de santíssima
Trindade para o domínio da práxis humana (cf. p. 201).
Sendo assim, a pergunta: Deus existe? precisa, por sua vez, ser dividida em três:
existe um legislador divino e santo?, existe um governante do mundo divino e bondo-so?, e existe um juiz dos homens divino e justo? A primeira dessas três perguntas é,
como vimos, simplesmente descartada na Religião. Não é necessário supor a existência
de um Deus legislador santo para poder pensar a lei moral comomandamento divino,
isto é, à luz da idéia de Deus construídapela razão humana como uma ficção prática
produzida com a única finalidade de fortalecer os motivos morais. A terceira foi abor-12
Cf., por exemplo, Kant 1793b, pp. 139, 200, 242 e 267.
13
Creio que esse tema pode ser relacionado com o do “valorinterno” inestimável do bom caráter, do qual
Kant fala na Antropologia(1798a, p. 267).
14
Kant liga essa divisão de Deus em três à do poder de Estado em três poderes (1793b, p. 200).
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dada por Kant apenas ocasionalmente. A segunda mereceu a sua maior atenção. Numa
nota do prefácio à Religião, Kant escreve:
A proposição: Deus existe e, portanto, existe um bem supremo no mundo, se é que ela
(enquanto proposição de fé) deve surgir da moral, é uma proposição sintética a priori,
que, embora seja tomada apenas no sentido prático, vai além do conceito de dever que é
contido na moral [...], e não pode, portanto, ser derivada analiticamente dessa doutrina.
Mas, como é possível tal proposição a priori? (1793b, p. X)
É preciso notar que essa pergunta, nunca antes explicitada por Kant, diz respeito
ao postulado, formulado na segunda Crítica,da existência de um Deus bondoso, gover-nante do mundo. Nessa obra, os três postulados da razão prática são apresentados como
hipótesesque afirmam a existência de certos objetos ou feições não-sensíveis do ho-mem: a feição da liberdade da vontade humana, a existência do objeto Deus, no sentido
de governante bondoso do mundo, e a feição da imortalidade da alma humana. A justifi-cativa racional para a introdução dos postulados é garantir a exeqüibilidade das ações
que visam a realização do sumo bem (moralidade acompanhada de felicidade). Essa
mesma justificativa para a suposição do Deus governante bondoso é oferecida na Reli-gião(p. VII). A nota citada faz ver que, por tratar-se de um juízo sintético a priori, o
programa crítico exige que seja respondida a pergunta pela possibilidade da proposição
que enuncia essa suposição.
Essa pergunta não é respondida por Kant nem na Religião, nem, que eu saiba, em lugar
nenhum. Esse fato permite entender, parece-me, a transformação posterior dos postula-dos da existência de Deus e da imortalidade da alma em regras práticas do como se, isto
é, em regras para, por assim dizer, modular conceitualmente o agir humano livre.
15
A-penas o postulado de liberdade preserva o statusde um enunciado de um saber. Com
efeito, saber que o postulado de liberdade é válido significa saber que devemos seguir a
lei moral (sentimento de respeito); que, se devemos, então podemos; e que, portanto,
somos livres. Esse postulado não pode, por conseguinte, ser formulado na forma de re-gras do como se. Os outros dois podem. Kantforneceu várias versões dessas regras. As
idéias de Deus e de imortalidade, diz Kant em “Verkündigung des nahen Abschlusses
eines Traktats zum ewigen Frieden in der Philosophie”, recebem uma realidade objeti-va, embora apenas moral-prática, no contexto da seguinte regra do como se: “comporte-secomo se fossem dados os objetos (Deus e imortalidade) dessas idéias, os quais, por-15
O livro de Hans Vaihinger Die Philosophie des Als Ob, de 1911, continua sendo um fonte preciosa para
o estudo desse tópico em Kant. Em Loparic 2005a, encontram-se desenvolvimentos sobre o mesmo tema
baseados em resultados mais recentes da lógica das regras cognitivas.
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tanto, podem ser postulados no sentido prático” (1796b, p. 492). Em Fortschritte, se-guindo o mesmo modo de argumentação, Kant reduz o credo da religião da razão (da
razão pura prática), a três artigos:
1)  “acredito em um Deus único, como origem de todo bem no mundo e como
seu fim último”;
2)  “acredito na possibilidade de concordar com este fim último, o supremo bem
no mundo, à medida que este depende do homem”;
3)  “acredito na vida futura eterna, como condição de uma constante aproxima-ção do mundo ao maior bem possível nele” (1804b, p. 116).
16
Entende-se, observa Kant, que essas proposições não trazem nenhum ensina-mento objetivo “relativo à realidade de seus objetos”, mas possuem “apenas um ensi-namento subjetivo, e praticamente válido, e nesse sentido suficiente, de que temos de
agir como sesoubéssemos que esses objetos são efetivos” (ibid.; os grifos são meus). Na
Lógica Jäsche, parágrafo 3, Kant volta ao assunto, propondo a seguinte formulação para
o postulado da existência de Deus: “Aja como se Deus existisse” (Handle so, als ob ein
Gott sei).
A modificação da sintaxe dos dois postuladospráticos discutidos é resumida por
Kant na seguinte definição: “O postuladoé um imperativo prático, dado a priori, cuja
possibilidade não pode, de nenhuma maneira ser explicada (nem provada). Não são,
portanto, postuladas coisas ou, em geral, a existênciade um objeto qualquer, mas tão
somente uma máxima (regra) da ação de umsujeito” (1794b, p. 498). Vaihinger, aficio-nado do ficcionalismo kantiano, cita Kant que diz: “A proposição: ´Deus existe´ não
significa fé na existência de uma substância [...], mas é apenas um axioma da razão prá-tica pelo qual ela se impõe a si mesma como princípio das ações”; e ainda: “o seu con-ceito [de Deus] é tão-somente uma idéia em prol de certos princípios” (1927, pp. 727 e
728).
Resta a pergunta: como aplicar os dois postulados da razão prática que foram
transformados em regras do como se? A resposta é: modificando a execução das máxi-mas de acordo com essas regras. Por exemplo, em Das Ende aller Dinge, de 1794, Kant
recomenda o uso da idéia da imortalidade – isto é, da infinitude do tempo das mudanças
morais – no contexto da seguinte regra do como se:
16
Note-se que a liberdade não faz parte desse credo. Ela, como disse acima, objeto de saber, não de fé.
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A regra para o uso prático da razão de acordo com essa idéia [de uma modificação da
nossa vida que se estende ao infinito] não quer dizer mais do que: nós devemos tomar as
nossas máximas como se– em todas as modificações de bom para melhor que vão ao in-finito – o nosso estado moral, segundo a disposição moral (o homo noumenon, cuja mu-dança “ocorre no céu”), não estivesse submetido a nenhuma mudança no tempo. (Kant
1794, p. 511)
Parafraseando Kant, a regra para o uso daidéia da nossa imortalidade diz, por-tanto, o seguinte:
1) as máximas das nossas ações devem ser avaliadas à luz da idéia da nossa i-mortalidade,
2) essa avaliação consiste em considerar a)que a nossa atitude moral, isto é, a nos-sa disposição de progredir moralmente, não muda com o passar do tempo e b) que, por-tanto, as modificações do mundo de bem para o melhor mediante nossas ações não vão
parar no tempo, isto é, enquanto estivermos vivos. Como se vê, a regra não diz nada sobre
nós num mundo sobre-natural ou outro mundo qualquer, mas sobre a maneira como de-vemos “tomar”, isto é, entender as máximas do nosso agir efetivo nós neste mundo.
A transformação dos postulados da existência de Deus e da imortalidade da alma
em regras práticas do como se tem uma conseqüência importante: o recuo, na obra de
Kant tardio, da problemática da realizabilidade do sumo bem moral. Na Doutrina do
direito, o sumo bem será dividido em duas partes: a nossa própria perfeição e a felicida-de dos outros, cada uma referida como fim deum dever de virtude diferente. A felicida-de própria não é uma dever de virtude, visto que, conforme Kant eclarece na Doutrina
da virtude, ela é algo imposto ao homem por um impulso natural (Antrieb), não sendo,
como tal, objeto necessário de uma escolha racional (1797b, p. 13).
17
Já o dever de bus-car a perfeição própria é racionalmente impostoe inclui a cultura de todas as predispo-sições que determinam a natureza humana. Essacultura, ligada a vários tipos de práti-cas, visa o fortalecimento da forças das máximas da razão que governam a realização
dessas predisposições, isto é, da virtude (pp. 14-15 e 110-111). Quanto ao dever de fa-vorecer a felicidade dos outros, ele implica tomar como seu os fins deles moralmente
permitidos (p. 17). Em nenhum dos casos, as práticas culturais exigem, a fim de serem
realizáveis, a idéia de Deus em qualquer umdos três sentidos distinguidos anteriormen-te. Desta forma, Kant dá passos decisivos na direção de uma doutrina da virtude não
apenas sem Deus, mas até mesmo sem a idéia de Deus, desenvolvimento que foi previs-to na afirmação de Kant da Religião, de que a doutrina da virtude se mantém por si,
17
Decerto, a felicidade própria pode ser assumida livre e racionalmente como fim. Esse tema, bastante
espinhoso, foi tratado, por exemplo, em Johnson 2004.
Kant e-prints. Campinas, Série 2, v. 2, n.1, p. 73-91, jan.-jun. 2007.
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“mesmo sem o conceito de Deus” (1793b, p. 267). Essa posição é antecipada também
no seguinte princípio: “Não é essencial e,portanto, não necessário, que o homem saiba
o que Deus faz ou tem feito para a sua felicidade”, pois trata-se de saber “o que ele tem
de fazera fim de se tornar digno dessa assistência” (p. 58).
Esse conjunto de teses, ainda pouco estudado na literatura secundária, revela
com particular clareza que a filosofia prática passou por uma evolução significativa.
Outras teses do Kant tardio abalizam o mesmo caminho. Na Doutrina do direito, o pro-gresso do gênero humano é tratado não comorealização do sumo bem moral, mas da
paz perpétua, o sumo bem político, problema formulado e tratado sem o uso da suposi-ção da existência de Deus ou mesmo da idéia de Deus. No Conflito de faculdades, a
história do gênero humano tende a realizara ordem republicana no mundo social, essen-cialmente “secular”, da qual se podeesperar vários bons resultados (Erträge) para a
vida social, não a realização do sumo bem moral da segunda Crítica.
4. A NATUREZA HUMANA
A que ou a quem se aplicama lei moral, especificada e fundada a priori, e os
predicados BB
m e Mm, definidos a priori pela lei moral? Na Fundamentação, esses predi-cados são remetidos à vontade, tomada como objeto do mundo do pensamento não sen-sificado (versinnlicht), isto é, como coisa em si: “Nada pode ser pensado em geral no
mundo, nem tampouco em geral fora dele, que possa sem restrições ser tomado como
bom a não ser a boa vontade” (1785, p. 1). A vontade em geral é a faculdade ou a ca-pacidade de um ser racional, dentro ou fora do mundo sensível, de agir causalmente se-gundo a representação de leis, sejam elas empíricas ou a priori(1785, p. 36). Por conse-guinte, os predicados “moralmente bom” e “moralmente mau” são também remetidos à
“natureza racional” em geral, incluindo tanto a natureza humana, imperfeitamente racio-nal, como qualquer outra, por exemplo, a deDeus ou dos anjos (ibid., p. 32 nota). A von-tade é boa, se, ao agir, obedecer incondicionalmente à lei moral. Docontrário, ela é má.
Essa oposição é meramente lógica, gerada por um operação discursiva, não real, que de-corresse de uma resistência que, por ser dadana experiência, possa ser dita efetiva.
18
19
18
Para comentários sobre o conceito de boa vontade, cf. Ameriks 2000, Schönecker e Wood (2002) e
Wood 2006.
19
Um exemplo fictício da vontade má é a de Lúcifer. Ele, como todo diabo, é pensado agir por pura má
vontade, isto é, elevando ao nível de motivo a oposição contra a lei, motivação que seria contraditório
atribuir a Deus e aos anjos como tais, que, em virtude da natureza humana propriamente dita, tampouco é
aplicável aos homens (1793, p. 33).
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NATUREZA HUMANA COMO DOMÍNIO DE APLICAÇÃO DA RELIGIÃO DA RAZÃO  83
Contudo, os princípios moraisda razão prática, tal como os da nossa faculdade
cognitiva, permanecem vazios, sem realidade objetiva prática e expostos à objeção de
serem ficções sem sentido prático ou mesmo como quimeras, se não forem aplicados a
um domínio factual.
20
Isso é um resultado geral da semântica transcendental de Kant.
Ora, nós só temos acesso experiencial à natureza humana. Portanto, não obstante a for-mulação e a resolução do problema de fundamentação da moral sejam da alçada exclu-siva da razão pura prática e inteiramente independentes das considerações acerca da
natureza humana, o problema da realidade objetiva prática da moral racional só pode ser
formulado e resolvido – decididopor sim ou não – com respeitoà natureza humana, isto
é, à vontade humana que, como tal, não é plenamente conforme à razão (p. 39). Em su-ma, a aplicação da moral exige um estudo da natureza humana, a ser feita por uma futu-ra antropologia, disciplina ainda não constituída em 1785.
Na Religião, Kant explicita esse ponto em termos mais bem antropológicos do
que semânticos, dizendo que “existe uma limitação da razão humana, que nem sequer
há de ser separada dela: a de que nós não podemos pensar nenhum valor de alguma re-levância nas ações de uma pessoa sem, ao mesmo tempo, representar essa pessoa ou sua
expressão de uma maneira humana” (1793b, p.76). Ou seja, há uma “necessidade natu-ral em todos os homens de sempre exigir, para os mais altos conceitos e fundamentos da
razão algo que possa ser sustentado de modo sensível[Sinnlichhaltbares], uma confir-mação experiencial qualquer ou algo semelhante” (p. 149). Todo objeto supra-sensível,
mesmo o mais justificado racionalmente, “precisa, contudo, no homem, ser representado
por algo visível (sensível) e, o que é mais importante ainda, acompanhado por esse algo
em prol do prático, de modo que o que é de fato intelectual é feito como que intuitivo
(segundo uma certa analogia)” (p. 281). Esse procedimento “não é dispensável” (ibid.).
Note-se que, no quadro do programa kantiano da crítica da razão pura, o pro-blema da aplicação da moral racional à natureza humana tem necessariamente dois ní-veis: a fim de poder afirmarcom sentido – isto é, de modo pelo menos em princípio
decidível –, que a lei moral está efetivamente em vigor, e de forma incondicional, com
respeito à vontade humana, é preciso decidir, antes disso, se essa lei pode ou nãoser
aplicada (angewandt)à vontade humana, ou ainda, se a vontade humana, reconhecida
20
Schwemmer, por exemplo, objeta a Kant o fato de a sua ética ser “sem sentido” para o agir factual
(1989, p. 153). Pieper, ao responder a Schwemmer, não parece ter dado a devida atenção ao problema,
particularmente delicado, da realidade objetiva da idéia kantiana do dever (Pieper 2000, pp. 279-280).
Creio que o mesmo vale para a abordagem de Dörflinger (2004). A minha posição, enunciada no texto,
foi objeto de discussão detalhada em Loparic 1999. Vossenkuhl (1992) parece ir na mesma direção.
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ZELJKO LOPARIC  84
como imperfeita pela antropologia, pode realizar (executar)ações de acordo com o co-mando incondicional da lei moral. Dito de outra maneira, toda qualificação moral de um
ser humano como bom ou mau pressupõe a demonstração que a vontade pecadora como
a nossa pode ser obrigada lei moral (lei que exige a santidade). Tomando como guia
uma exigência estabelecida na primeira Crítica, Kant dirá, já na Fundamentação, que,
previamente à decisão sobre a efetividade da lei moral, é preciso achar a resposta para a
pergunta: como é possível – isto é, aplicável a uma vontade factual – o juízo sintético-prático a priorique enuncia o imperativo categórico?
21
Com esse argumento, Kant inicia o movimento de ampliação do seu conceito i-nicial de filosofia transcendental. Na primeira Crítica, essa doutrina é restrita à pergun-ta: como são possíveis os juízos sintéticos a prioriteóricos? Na Fundamentação, Kant
dá o primeiro passo no sentido de estender a filosofia transcendental de modo a abran-ger a pergunta de saber como são possíveis os juízos sintéticos a prioriem geral, a co-meçar pelo imperativo categórico. Este juízo é sintético-prático, explica Kant, pois co-necta, sem pressupor qualquer inclinação como condição, a vontade com um certo modo
de agir (seguir as máximas universalizáveis), algo que não está contido analiticamente
no conceito de vontade. Ao mesmo tempo, este juízo é a priori, visto que enuncia uma
conexão necessária, objetiva, “determinada pelamera idéia da razão que tiria total força
coercitiva sobre todas as motivações subjetivas” (1785, p. 50). Logo, cabe perguntar
pelas condições de possibilidade deste juízo, isto é, pela sua “realidade objetiva”. Visto
que se trata de um juízo prático, a sua realidade terá de ser também prática. Não se per-gunta se o juízo pode ser verdadeiro ou falso no domínio de dados intuitivos (congiti-vos) possíveis, mas se o comando por ele enunciado pode ser realizado, executado, por
um agente efetivo. Como essa pergunta só setorna determinada e solúvel se referida ao
ser humano, a realidade objetiva prática é sinônimo de possibilidade de realização ou de
exeqüibilidade (Ausführbarkeit) pelo ser humano.
22
A resposta a essa pergunta, que anuncia a inclusão da filosofia prática de Kant
na sua filosofia transcendental, só será encontrada na segunda Crítica: a lei moral é pos-sível – ela tem uma realidade prática – à medida em que afetaa nossa vontade, isto é,
causaem nós o sentimento de respeito e, desse modo, produz um feito: o “fato da ra-zão”. Em outras palavras, a lei moral é possível, tem realidade objetiva prática, por ser
21
Cf. Kant 1785, p. 50 et passim.
22
Sobre essa sinonímia entre a praktische Realitäte a Ausführbarkeit, cf., por exemplo, Kant 1793a, p.
436; tr. p. 297. Para os comentários, cf. Loparic 2000 e 2004. Nos seus estudos sobre a afcticidade da
liberdade em Kant, Heidegger.
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NATUREZA HUMANA COMO DOMÍNIO DE APLICAÇÃO DA RELIGIÃO DA RAZÃO  85
efetiva, tese que inverte o procedimento da primeira Crítica, onde a possibilidade dos
juízos sintéticos a priorié demonstrada antes da sua efetividade.
23
Na passagem da segunda Críticapara a Religião, observa-se uma outra mudança
importante: os predicados a priori Bm e Mm, elementos básicos da doutrina da religião da
razão, não são mais relacionados à vontade, mas ao homem, mais precisamente à natu-reza humana, à medida em que esta é portadora de predisposições em parte boas e em
parte más, isto é, de elementos ordenados que favorecem e de outros que impedem a
realização dos deveres morais. Aqui, a expressão “natureza humana” tem o sentido an-tropológico-moral, pois designa “apenas o fundamento subjetivo do uso pelo homem da
sua liberdade em geral (sob leis morais objetivas)” (p. 6). Trata-se de uma faculdade ou
capacidade moral (moralisches Vermögen) do homem que torna possível que ele faça
“algo de bom para si segundo as leis da liberdade”. O termo “natureza” é usado, por-tanto, num sentido radicalmente diferente do considerado pela filosofia teórica de Kant.
De mesma forma, o termo “humano” deve ser relacionado à humanidadedo homem, no
sentido de disposição para personalidade moral, para atuar como um agente moral,
não no sentido de disposição para viver como um animal (ser da natureza física, objeto
da filosofia teórica e da ciência natural) dotado da feição adicional de ser racional.
Portanto, o estudo da natureza humana não visa descobrir o que a natureza quer do ho-mem ou com o homem, mas aquilo que ele mesmo, como ser moral, quer fazer de si
mesmo.Nesse novo contexto semântico, exclusivamente prático, no qual os conceitos
de natureza e de práxis humana, são redefinidos, recebendo sentidos inteiramente novos,
a pergunta pela possibilidade da lei moral pode ser desdobrada em duas: como são pos-síveis os juízos sintéticos a priori“o homem é moralmente bom” e “o homem é moral-mente mau”?
24
25
26
27
23
Essa tese foi proposta inicialmente em Loparic 1999.A teoria dos efeitos sensíveis da razão, isto é, da
facticidade da razão foi desenvolvida por Kant em textos posteriores à segunda Crítica, em particular, na
Religiãoe na Metafísica dos costumes(1797). Interpretações distintas do conceito de fato da razão foram
apresentadas por Höffe (1979, cap. 3), Almeida (1999) e Beck (1995), entre outros. Um comentário escla-recedor desse conceito, não comprometido com a discussão mencionada, encontra-se em Sala 2004.
24
No Conflito das faculdades, Kant define a natureza humana no sentido pragmático mais geral, como
faculdade do ser humano “de realizar determinados fins pelas suas próprias forças” (1798b, p. 59).
25
1793b, p. 14; cf. 1797b, pp. 22 e 48.
26
Esse sentido de humanidade é explicitado, por exemplo, em 1793b, p. 13.
27
Kant distingue explicitamente “o que a naturaem nós quer” e “o que o homem quer” (1793b, p. 287).
Nesse ponto, vários textos posteriores, por exemplo, À pa perpétua(1795), nos quais Kant ainda estuda o
que a natureza quer ocupam uma posição mais conservadora que o texto da Religão. A hesitação de Kant
entre os dois motores da história, a vontade da natureza e a vontade humana, cessará definitivamente
depois da publicação da Metafísica dos costumes, em 1797, a responsabilidade total pelo progresso para
melhor recaindo sobre a faculdade apetitiva dos seres humanos, considerados tanto individual como cole-tivamente.
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Qualquer resposta terá, portanto, de se valer de elementos que pertencem, de di-reito, à antropologia. Essa disciplina, cuja elaboração foi exigida por Kant na primeira
Crítica, não foi desenvolvida na Fundamentação, embora precise ser notado que o res-peito pela lei moral, com o qual Kant trabalhanessa obra, é um sentimento, e, portanto,
um “fato” sensível, experienciado, que, comotal, pode e deve ser objeto de pesquisa
antropológica. É precisamente na Religiãoque Kant lança os fundamentos de uma an-tropologia das predisposições, e do desenvolvimento delas, a qual será usada no estudo
da aplicação da sua doutrina da religião e, deum modo geral, da sua filosofia prática.
Esse trabalho prosseguirá em vários outros textos tardios de Kant, em particular, na Me-tafísica dos costumes, com a introdução do conceito de antropologia moral, no Conflito
das faculdadese na Antropologia, onde a antropologia moral será incluída no conceito
mais geral de antropologia pragmática, ciência empírica elaborada do ponto de vista
(Hinsicht) ou com intuito (Absicht) pragmático. Trata-se de uma disciplina que não se
ocupa daquilo “que a naturezafaz do homem”, entenda-se natureza no sentido da filo-sofia teórica, mas daquilo que “ele, como ser que age livremente, fazde si mesmo ou
podee devefazer” (1798a, p. IV; os últimos três itálicos são meus). O mesmo tema é
retomado no seguinte trecho: “Não importa [na antropologia pragmática] o que a natu-reza faz do homem, mas o que este faz de si mesmo; pois o primeiro pertence ao tempe-ramento (quando o sujeito é em grande parte passivo) e tão-somente o último deixa re-conhecer que ele tem um “caráter”, “uma propriedade da vontade, segundo a qual o su-jeito se vincula si mesmo a determinados princípios práticos que ele se prescreveu como
imutáveis pela sua própria razão” (ibid., pp. 267-8). Ou seja, um modo de pensar (De-kungsart) que tem a força sobre nós.
28
O objeto de antropologia pragmática é, portanto,
o homem ou a natureza humana compreendida como o conjunto de condições subjetivas
– faculdades, predisposições, propensões, tendências, caráteretc. –, favoráveis ou des-favoráveis para a execução de regras tanto teóricas como práticas, e, dentrodesse último
grupo, de regras técnico-práticase moral-práticas. Não se estuda o que a natureza quer
do homem e com o homem, mas aquilo que ele quer. Dessa forma, a antropologia moral
passa a fazer parte da antropologia pragmática concebida como ciência generalizada do
que o homem pode ou deve fazer ou deixar de fazer de si mesmo.
29
28
Na Religião, Kant chamou tal modo de pensar virtus noumenon, em oposição à virtus phaenomenon,
definida comumente como longo hábito na observância das leis (1793b, pp. 49-50).
29
Vários pontos dessa evolução do pensamento kantiano são tratados de modo mais detalhado em Lopa-ric 2007. Eles não são devidamente apreciados por comentadores que não prestam atenção suficiente ao
caráter sistemáticodo pensamento kantiano (cf., por exemplo, Brandt 1999). Considerando a matéria
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NATUREZA HUMANA COMO DOMÍNIO DE APLICAÇÃO DA RELIGIÃO DA RAZÃO  87
Voltando à Religião, Kant sustenta a tese antropológica de que a natureza huma-na é determinada por três classes de predisposições: para a animalidade (para o amor de
si físico e meramente mecânico), para a humanidade (para o amor de si físico, mas
comparativo, o que exige a razão) e para a personalidade (para a responsabilidade por
suas ações).
30
As predisposições que pertencem necessariamente à possibilidade de um
ente são originárias; aquelas sem as quais esse ente seria possível em si são acidentais.
Todas são pensadas como universais: valem para o homem em geral, e, deste modo,
expressam o caráter da espécie (1793b, pp. 8 e 17).
31
Na Religião, contudo, Kant trata
apenas de predisposições que se referem “imediatamente à faculdade apetitiva e ao uso
do arbítrio” (p. 18).
32
A predisposição para a personalidade, que nos interessa aqui de modo mais dire-to, é “a receptividade [Empfänglichkeit] para o respeito pela lei moral, como um móbil
de arbítrio, suficiente por si mesmo” (1793b, p. 16). Toda predisposição é essencial-mente modificável. No caso da predisposição para o bem moral, a modificabilidade in-clui a perfectibilidade, o progresso para o moralmente melhor. A predisposição para o
bem é, portanto, também um germe do bem (Keim des Guten) que pode e deve ser de-senvolvido, sob a influência das idéias práticas, em uma disposição (Gesinnung) moral
boa. Abre-se assim o campo para uma história moral, individual e coletiva, realizada de
acordo com essa disposição e que tem uma dimensão pura, supra-sensível, relativa à
própria disposição moral, e uma dimensão factual (sensível), relativa aos atos morais
como tais.
33
Finalmente, cabe considerar em que consiste a vida humana vivida de a-muitas vezes episódica e mundana das considerações de Kant na Antropologia(conteúdo muito bem
explicável pela inspiração inicial – a psicologia de Baumgarten – e a longa gestação dessa obra, iniciada
ainda no período pré-crítico), eles concluem, de modo errôneo, que a disciplina apresentada nessa obra,
em 1798, difere também na sua forma – tanto nos objetivos como na metodologia – da antropologia moral
da Metafísica dos costumes, publicada apenas um ano antes, em 1797. Sobre esse assunto, cf., em particu-lar, Kant 1798a, pp. 329-321, onde é apresentada “a suma da antropologia pragmática no que diz respeito
à determinação do homem e à característica da sua formação”.
30
Uma diferente classificação das disposições, em técnica, pragmática e moral, com comentários corres-pondentes, encontra-se na Antropologia, pp. 316-321. Talvez não seja sem interesse notar que, na primei-ra Critica, Kant fala da “metafísica como predisposição natural”, isto é, como necessidade (Bedurfnis) da
qual surgem os problemas darazão pura (KrV, B 22).
31
O termo “espécie” é usado aqui tanto no sentido coletivo, para designar o todo da humanidade, como
no distributivo, para fazer referência aos indivíduos humanos mediante a unidade meramente lógica de
um conceito (cf. 1798ª, p. 330).
32
Essa restrição será eliminada na Antropologia, onde Kant tratará da questão geral: o que é o homem?
Além da faculdade apetitiva, ele abordará todos os outros elementos constitutivos da natureza humana, a
faculdade cognitiva e o sentimento de prazer e desprazer.
33
O mesmo se observa na teoria kantiana da história de 1798 (cf.Kant 1798b, parte 2).
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cordo com a predisposição para o bem plenamente desenvolvida.(entwickelt) em uma
disposição efetiva (p. 35).
34
Além de predisposições, a natureza humana também comporta inclinações (dese-jos habituais), que, como tais, são acidentais.O fundamento subjetivo de uma inclinação
chama-se propensão (Hang). Mesmo sem ser uma predisposição originária da natureza
humana, a propensão pode ser dita congênita (angeboren), não como elemento constitu-tivo da natureza humana, mas no sentido de não poder ser extinta (p. 23). Quando boa,
diz-se que é adquirida (erworben); quando má, qualifica-se como contraída (zugezo-gen).
35
Na antropologia da Religião, contudo, Kant tratará sobretudo da propensão para
o mal, a qual vige como “fundamento subjetivo da possibilidade do desvio das máximas
da lei moral” (p. 19). Assim como as predisposições para o bem, essa propensão, cha-mada “mal radical”, expressa o caráter da espécie e, por isso, pode ser pressuposta como
subjetivamente necessária em todo indivíduo humano.
Como é adquirida uma disposição ou uma propensão boa? Por um ato que pre-cede e torna possíveis todos osatos moralmente bons. Como é contraída uma propensão
má? Por um ato que precede e possibilita todos os atos moralmente maus. Nesse contex-to, o conceito de ato é tomado em dois diferentes sentidos, ambos compatíveis com o
conceito de liberdade: “Mas a expressão de um ato [Tat] em geral pode valer tanto para
o uso da liberdade pelo qual a máxima suprema (conforme ou não com a lei) é recebida
no arbítrio, como também para aquele uso pelo qual são executadas as próprias ações
[Handlungen] (segundo a sua matéria, isto é, concernindo os objetos do arbítrio)” (p.
23). Assim, por exemplo, “a propensão parao mal é um ato no primeiro sentido (pecca-tum originarium), sendo, ao mesmo tempo, o fundamento formal de todo ato contrário à
lei no segundo sentido” (ibid.). O ato no primeiro sentido é um “ato inteligível”, não
sensível, “podendo ser conhecido pela razão sem toda e qualquer condição temporal”
(ibid.; cf. p. 36 nota).
Procedendo dessa forma, isto é, analisandoo que é implícito no conceito do ato
sensívelmoralmente bom ou mau, Kant introduz na sua antropologia moral um conceito
34
A tese kantiana da determinabilidade essencial dohomem pelas idéias da razão preparou o caminho
para o surgimento das duas principais teorias filosóficas da história: a teoria hegeliana do desenvolvimen-to (Entwickelung) do Absoluto (da queda do Espírito no tempo, da “concretude” do Espírito) e a teoria
heideggeriana da acontecencialidade (Geschichtlichkeit) do ser – ambas afirmando que a história da filo-sofia é história fundamental. A mesma tese de Kant permite-nos, ainda hoje, entender, retrospectivamen-te, o poder dos mitos e das religiões sobre os homens e, prospectivamente, o primado do virtual sobre o
real, um ponto que escapou às teorias materialistas da ideologia, por exemplo, a marxista e a freudiana.
35
A capacidade e a incapacidade do arbítrio de aceitar a lei moral na sua máxima, que surgem da propen-são natural, são chamadas coração bom e mau, respectivamente (1793b, p. 19).
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NATUREZA HUMANA COMO DOMÍNIO DE APLICAÇÃO DA RELIGIÃO DA RAZÃO  89
totalmente novo: o de uma práxis a priorique estabelece as condições a priori, não teó-ricas, mas práticas, de possibilidade desse tipo de ato. Embora não relacionada ao tempo
sensível e cronológico da intuição teórica, essa historicidade pura de segundo grauim-plica um tempo prático que poderia ser chamado inteligível ou numênico.
36
Diferente-mente dos eventos naturais, os atos que constituem essa história moral pura não possu-em causas que possam ser objeto de pesquisa objetiva, a prioriou a posteriori. Em par-ticular, não é possível dizer que o nascimento é a causa a propensão para o mal (p. 8) ou
– isso seria mais impróprio ainda – que essa propensão é uma herança dos primeiros
pais (p. 37). Assim como as feições fundamentais da natureza humana, os atos morais
inteligíveis não podem ser objeto de uma história natural, a ser estudado teoricamente.
Por isso, nem da predisposição para o bem nem da propensão para o moralmente mau
pode ser determinada a origem no tempo, mas apenas na razão (p. 36). A teorização
pragmática a priorisobre o acontecer moral fica restritaàs representações da razão, não
podendo ser apresentada por conceitos aplicáveis à sensibilidade, seja teórica (intuição)
seja moral (sentimento moral). Mesmo assim, por serem feições inextinguíveis – a pri-meira por ser originária, a segunda, por ser congênita – elas devem ser representadas
“como presentes no homem simultaneamente com o nascimento” (p. 8).
37
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BRANDT, Reinhard 1999: Kritischer Kommentar zu Kants Anthropologie in praktischer Hinsicht (1798).
Hamburg, Meiner.
36
Elementos para a introdução desse conceito na interpretação da filosofia prática de Kant encontram-se
em várias obras tardias, por exemplo, em Das Ende aller Dinge, na qual Kant fala em “duratio noume-non“ (1794, p. 495). Ele esta implícito também nas considerações sobre a prestação final de contas pela
vida na terra, o juízo final, a paz perpétua etc. A fim de entender melhor as implicações profundas dessas
análises kantianas, creio que seria proveitoso recorrer aos conceitos heideggerianos de temporalidade
originária e de acontecencialidade do ser-o-aí (Geschichtlichkeit des Daseins) (Heidegger 1927, p. 394).
37
A teorização kantiana sobre a pragmática pura, aquiexplicitada, exigiria, decerto, uma elaboração adi-cional. Essa pesquisa poderá, sem dúvida, ser facilitada considerando o conceito de “práxis moral” intro-duzido por Heidegger no seu comentário sobre o fato da razão de Kant (GA 31, pp. 263 e 271). Contudo,
Heidegger trabalha, quase exclusivamente, com textos kantianos anteriores à Religiãoe não leva em con-ta a antropologia moral das obras tardias. Por isso, ele não estabelece a conexão, potencialmente muito
frutífera, entre os elementos constitutivos da natureza humana, no sentido de Kant, e a estrutura do Dasein
exposta em Ser e tempo. A sua interpretação da “facticidade darazão prática” (p. 273) permanece centra-da no conceito de vontade pura e, em virtude disso, forçosamente abstrata, mais apropriada para um dia-logo com o idealismo alemão (Schelling), do que com Kant (cf. Heidegger 1995).
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O conflito entre Liberdade e Natureza em Kant: o papel da subjetividade através do interesse na contemplação estética como imagem palpável da nossa liberdade moral

1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA MESTRADO
ANTONIO DJALMA BRAGA JUNIOR
O conflito entre Liberdade e Natureza em Kant: o papel da
subjetividade através do interesse na contemplação estética como
imagem palpável da nossa liberdade moral
Projeto de pesquisa apresentado ao
Departamento de Filosofia, do Setor
Ciências Humanas, Letras e Artes, da
Universidade Federal do Paraná, para a
seleção do Mestrado.
Orientador: Vinicius B. de Figueiredo ou
Marco Antonio Valentim.
CURITIBA
2010
2
PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO UFPR
TÍTULO:O conflito entre Liberdade e Natureza em Kant: o papel da subjetividade
através do interesse na contemplação estética como  imagem palpável da nossa
liberdade moral.
IDENTIFICAÇÃO/DELIMITAÇÃO DO TEMA-PROBLEMA
Kant diz que a metafísica tradicional jamais pode decidir se há ou não
liberdade. Essa indecisão tem um efeito nefasto de  contestar a moralidade: se não
há liberdade, como responsabilizar as pessoas pelosseus atos? Pode se perceber
nisto que a questão da liberdade é uma questão natural da humanidade. Deste
modo, a partir da compreensão de que a liberdade está na esfera daquilo que se
denomina  coisa em sie a natureza naquilo que se chama  fenômeno, Kant vê que
essa questão da liberdade pode ser resolvida. Sem realizar esta distinção, não
poder-se-ia legitimar nada que fosse livre realmente e não poder-se-ia afirmar haver
liberdade sem prescindirmos do principio de causalidade. Qual foi a solução kantiana
para este conflito entre liberdade e natureza? E ainda, qual é o papel da
subjetividade na constituição desta solução?
Para responder a este intuito, tomar-se-á como basea terceira crítica de Kant
– a Crítica do Juízo– muito embora, será impossível contextualizar o conflito entre
liberdade e natureza sem destacar alguns pontos queestão presentes em outras
obras de Kant.
OBJETIVOS
GERAL
Analisar a solução kantiana para o conflito entre liberdade e natureza e o papel da
subjetividade na experiência estética como imagem palpável da nossa liberdade
moral.
ESPECÍFICOS
a) Contextualizar o conflito entre liberdade e natureza em Kant.
b) Compreender a solução kantiana do conflito entreliberdade e natureza
através da arte.
c) Analisar o papel da subjetividade na experiênciaestética como imagem
palpável da nossa liberdade moral.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3
O conflito entre liberdade e natureza trabalhado por Kant na  Crítica da razão
Pura, consiste em uma visão inovadora que abala os alicerces da metafísica
tradicional ocidental. Para esta, existia Deus, alma e mundo. Ora, Kant afirmara que
com essa estrutura, a metafísica não havia saído dolugar, ao contrário, a partir disso
só havia sido criado ilusões e, consequentemente, essa metafísica fracassara. Ele
escreve isso no prefácio à segunda edição da sua obra  Crítica da Razão Pura
quando afirma que:
(...) no que respeita ao acordo dos seus adeptos, relativamente às
suas afirmações, encontra-se a metafísica ainda tãolonge de o
alcançar, que mais parece um terreiro de luta, propriamente
destinado a exercitar forças e onde nenhum lutador  pode jamais
assenhorear-se de qualquer posição, por mais insignificante, nem
fundar sobre as suas vitórias conquista duradoura.  (KANT, 2001, B
XV)
Kant propõe uma forma de conhecer que, como consequência, abala os
alicerces da metafísica tradicional. Esta nova forma consiste em criar um caminho
seguro da ciência para a metafísica promovendo uma  espécie de revolução, tal
como fez Copérnico, admitindo que os objetos deveriam ser guiados pelo nosso
conhecimento, pressupondo, assim, um conhecimento apriori, onde as coisas são
reguladas mediante nossa capacidade cognitiva. Kantescreve que “se a intuição
tivesse de se guiar pela natureza dos objetos, não  vejo como deles se poderia
conhecer algo a priori; se, pelo contrário, o objeto (enquanto objeto dos sentidos) se
guiar pela natureza da nossa faculdade de intuição,posso perfeitamente representar
essa possibilidade” (KANT, 2001, B XVIII). Neste sentido, o nosso entendimento extrai
de si as leis da natureza e também passa a ser legislador destas leis. Esta idéia
abala a metafísica tradicional, muito embora, ele não chega a abandonar a estrutura
Deus, alma e mundo
1
. Gérard Lebrun se questiona no inicio do capítulo  II da
primeira parte de sua obra  Kant e o Fim da Metafísicasobre o porquê desta
metafísica nunca ser constituída como uma ciência ediz que isto se deve ao fato de
que “a lentidão do espírito e o encanto da sofística muito cedo prevaleceram sobre o
exercício da razão” (LEBRUN, 2002, p. 59).
Ao se perguntar pela questão da liberdade e natureza, ver-se-á que esta
problemática encontrará solo fértil dentro dos apontamentos que Kant faz em sua
Crítica da razão pura, quando distingue os  fenômenosdas  coisas em si
1
O fato de a Metafísica ser mantida para Kant implica a idéia de que arte e moralidade se relacionam.
4
(compreendendo fenômeno como aquilo que nos é dado  sensivelmente, e sendo
dado na sensibilidade, pode ser pensado por conceitos). A partir disso, o filósofo
alemão afirma que não se pode presumir o que é um objeto qualquer sem as
faculdades da sensibilidade e do entendimento, não  porque não existam coisas em
si mesmas, mas sim porque a coisa em si é incognoscível. O nosso conhecimento,
portanto, está restrito aos fenômenos.
Dentro desta perspectiva, Kant diz que a metafísicatradicional jamais pode
decidir se há ou não liberdade. Essa indecisão tem um efeito nefasto de contestar a
moralidade: se não há liberdade, como responsabilizar as pessoas pelos seus atos?
Pode-se perceber nisto que a questão da liberdade éuma questão natural da
humanidade. Deste modo, estando a liberdade na esfera daquilo que se denomina
coisa em sie a natureza naquilo que se chama fenômeno, Kant vê que essa questão
da liberdade pode ser resolvida e procura trabalharisto em sua  Crítica do Juízo.
Mas será que esta solução apresentada na Crítica doJuízo não fere a radical
separação que a Crítica da Razão Puraprocura manter entre esses domínios a fim
de que tanto o conhecimento da natureza quanto a moralidade possam ser
justificados? Como a faculdade do juízo pode ser mediadora sem que se anule a
diferença entre os domínios da vontade e do conhecimento? Qual é, enfim, a
necessidade de suplantar o abismo entre liberdade enatureza? O fato é que sem
realizar esta distinção, não poderíamos legitimar nada que fosse livre realmente e
não poderíamos afirmar haver liberdade sem prescindirmos do principio de
causalidade.
Kant acredita haver uma antinomia da razão. Alguns  defendem a existência
da liberdade: a tese afirma a liberdade da alma semo apoio da natureza.
A causalidade segundo leis da natureza não é a única da qual
possam ser derivados os fenômenos do mundo em conjunto. Para
explicá-los é necessário admitir ainda uma causalidade mediante
liberdade. (KANT, 1974, p. 294)
Já a antítese nega a liberdade da alma, estando, esta, submetida às leis da
natureza: “não há liberdade alguma, mas tudo no mundo acontece meramente
segundo leis da natureza” (KANT, 1974, p. 294). Todavia, se consideramos a
mesma liberdade da alma como coisa em si, ela não écognoscível, porém, podemos
pensá-la; não podemos determiná-la por conceitos, mas podemos considerá-la como
algo que não é dado na sensibilidade, na experiência, como não condicionada pelas
5
mesmas propriedades a qual as outras coisas se dão  a conhecerem. Em outras
palavras, não haverá contradição se partirmos da idéia de que o pensamento da
coisa em sié irredutível ao conhecimento teórico, científico;não tem um valor de
verdade ou falsidade. Portanto, assumir a dupla significação da alma humana, como
coisa em si e como fenômeno, é uma tentativa de dissolver a contradição entre
liberdade e natureza. Por conseguinte, é possível afirmar que para Kant, as nossas
sensações morais ocorrem num mundo inteligível, no  pensar, já as nossas ações
naturais, ocorrem num mundo sensível. Diante disso,pode-se perguntar: como é
possível o ingresso neste mundo inteligível? Como podemos estipular uma ponte
para estes dois domínios? E ainda: o que é que se pode "construir" sobre esta
ponte, que é o juízo? Será que não há uma diferençaou talvez mesmo uma
divergência de propósito e orientação entre firmar  o abismo entre liberdade e
natureza e procurar suplantá-lo mediante a ponte dojuízo? Se sim, qual seria essa
diferença? Sem ter a certeza destas reais possibilidades, cabe ressaltar que Guido
Antonio de Almeida nos aponta um caminho para a solução deste problema em seu
artigo intitulado  Liberdade e Moralidade em Kant(1997, p. 199) afirmando que o
ingresso neste mundo inteligível acontece pela porta da espontaneidade do juízo.
Ora, isto é o mesmo que perceber a realidade de quetemos de um lado, em
nós, um sujeito reduzido à coisa, e por outro lado,nos vemos como um puro ente
racional. Mas como se pode conciliar este puro enteracional e o ente natural?
Como, enfim, podemos conciliar liberdade e natureza? Ora, esse é o problema geral
que Kant procura resolver em sua obra  Critica do Juízo, ou  Crítica da faculdade
de julgar, através da análise sobre as questões em relação àarte. Será possível
afirmar, a partir desta obra, que a conciliação entre liberdade e natureza se dá pela
arte? Será a arte a ponte entre a coisa em si e o fenômeno? Será que a arte pode
naturalizar a liberdade? E, afinal, o que é a arte?Segundo Kant, a obra de arte é um
produto humano capaz de despertar em nós o Belo. Noparágrafo 43 da  Crítica do
Juízo(1974, p. 337), Kant estabelece uma divisão da arte, apresentando-a num
primeiro momento como algo que se distingue da natureza, e ainda que, somente a
produção por liberdade deveria receber o nome de arte, elaé um produto e é
preciso que este seja feito através da liberdade e  estar vinculado à razão; em um
segundo momento, a arte é algo distinto da ciência,não dependendo apenas de uma
capacidade teórica; por último, o filósofo aponta para a noção de quearte é diferente
do artesanato: o trabalho é fundamentalmente uma alienação e a arte não é isso; ela
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é liberdade e não alienação; todo trabalho aliena enão é livre. Neste sentido, Kant
afirma que o belo encontrado na arte não é determinado por conceitos, muito
embora ele seja dado no tempo e espaço, que são categorias da sensibilidade. O
belo não está conectado com o objeto. Ele está na nossa reflexão, na medida em
que nós o julgamos como símbolo do supra-sensível, ou, da coisa em si.
Julgar uma coisa é resultado de uma ação espontânea. É uma ação
inteligente, não estando sujeito às leis da natureza ou do entendimento. Julgar é
também produto da nossa subjetividade. É sinônimo de refletir. E esse juízo sobre o
belo é o único que pode ser feito de forma desinteressada e, justamente por isso,
livre. Dentre todas as espécies de satisfação,
(...) a do gosto em relação ao belo é, única e exclusivamente, uma
satisfação desinteressada e livre; pois nenhum interesse, nem o dos
sentidos, nem o da razão, obriga à aprovação. (...)Um objeto da
inclinação, e um objeto que é imposto ao nosso desejo por uma lei
da razão, não nos deixa nenhuma liberdade de fazer  para nós
mesmos, de algo, um objeto de prazer. Todo interesse pressupõe
necessidade, ou a produz; e, como fundamento-de-determinação da
aprovação, não deixa mais o juízo sobre o objeto ser livre. (KANT,
1974, p. 308).
Neste sentido, encontramos na filosofia kantiana a  ideia de que todo juízo é
reflexivo. Mas, há alguns que são puros – cujo quais não encontramos conceito – e
outros que são determinantes – onde encontramos conceitos.
Os juízos reflexivos puros são juízos estéticos, ou seja, são os juízos do Belo.
Compreende-se por Belo aquilo que é radicalmente indeterminado. Tem um
significado, porém não é objeto determinado. Ora, apossibilidade de representar o
indeterminado (o Belo) favorece a passagem da liberdade à natureza. A faculdade
do juízo, em sua autonomia, permite a passagem da liberdade à natureza em vista
da conformidade com as finalidades. O reconhecimento da irredutibilidade do mundo
natural e do mundo inteligível favorece a passagem  entre estes dois mundos,
abrindo a possibilidade de pensarmos esta passagem.O Belo permite interpretar os
efeitos da coisa em si. Kant, juntamente com Schiller, supõem que a arte tem um
papel na educação. Todavia, a resposta do segundo éconsideravelmente diferente
do primeiro. Schiller afirma que a consciência da liberdade e a vivência da sua
existência simultaneamente é a contemplação estética. Esta é a maneira como o
homem se descobre sujeito de si mesmo, ele se percebe como uma capacidade de
7
representação de coisas, e, portanto, não é, ele próprio, uma coisa que pertence à
natureza e segue suas leis.
A contemplação (reflexão) é a primeira relação liberal do homem
como o mundo que o circula. (...) A necessidade natural, que o
dominara sem divisão de poder no estado da mera sensação, libera
o objeto na reflexão; não há trégua momentânea nos  sentidos, o
próprio tempo eternamente mutável repousa enquanto  os raios
dispersos da consciência convergem e uma imagem do  infinito, a
forma, se reflete no fundo perecível. (SCHILLER, 1990, p. 130)
Para Schiller, o homem é escravo da natureza quandoapenas a sente, e
torna-se legislador quando a pensa. Sendo assim, a  natureza passa a ser
relativizada diante do homem. O Belo e a beleza sãoobjetos, todavia, a
contemplação deste desperta no sujeito a consciência de si, ele se experimenta a si
mesma como uma receptividade ao mundo sensível e a  partir disso, como diz
Lebrun (2002, p. 503), “torno-me verdadeiramente universal”. O Belo é a forma viva,
ou seja, o supra-sensível no sensível. Na contemplação estética nós sentimos o
supra-sensível. Para Kant, esta justaposição dos dados sensíveis para o supra-sensível, esta ponte de acesso frágil, da liberdadee da natureza, não passa de uma
analogia. Mas para Schiller isto é fundamental. O fundamento da verdade, da ciência
e da moralidade, já se realiza na contemplação estética.
Kant acredita que apropriar-se de si mesmo significa pensar por si, essa é a
máxima de uma razão jamais passiva e é neste sentido que, para Kant, o
entendimento legisla a natureza. Deste modo, Kant nos diz que existe uma liberdade
prática, entendida como a liberdade moral e uma liberdade estética, onde o objeto
não é determinado por conceitos. A nossa apreciaçãodo objeto estético é livre de
conceitos, há uma independência à regra do entendimento. No juízo estético não há
uma medida de conhecimento científico, em outras palavras, não está a serviço do
conhecimento. Porém, a referência do juízo estéticoestá relacionada somente no
sujeito e sua vida subjetiva.
Uma vez que o juízo de gosto esteja fundamentado naidéia de Kant de um
senso comunitário, podemos compreender o papel desta faculdade na conciliação
entre liberdade e natureza como uma forma de levar o sujeito a uma experiência da
sua universalidade subjetiva. A contemplação do Belo suscita em mim a consciência
das minhas faculdades representativas. Somente na experiência estética do Belo eu
me torno consciente da minha subjetividade. Kant afirma que na base do
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conhecimento e da moralidade está a experiência estética como inteligência pura. O
sentimento do Belo é condição necessária para o exercício da ciência e da
moralidade. A ciência e a moralidade surgem de uma  interrupção da experiência
estética. Para Kant, o gosto é a sensificação de idéias morais, é a faculdade de
significar sensivelmente o supra-sensível. Será quecom esta ideia, Kant consegue
estabelecer uma ponte inteiramente subjetiva, com validade universal, sem anular o
abismo?
Como forma de aprofundar esta questão, percebe-se que em sua obra Crítica
do Juízo, Kant define o Belo como aquilo que meramente lhe  apraz. Ele é uma das
três diferentes proporções das representações ao sentimento de prazer e desprazer
(o agradável e o bom são as outras duas).
Assim, pode-se afirmar que o juízo de gosto só podeser um juízo estético, e,
portanto, não pode ser lógico, compreendendo ainda  que seu fundamento-de-determinação seja subjetivo. Para melhor explicar esta ideia, Kant nos diz em sua
terceira crítica, que “abarcar um edifício regular  e conforme a um fim com a
faculdade de conhecimento (...) é algo inteiramenteoutro do que ter consciência
dessa representação com a sensação de satisfação” (KANT, 1974 p. 303). Em
outras palavras, essa representação refere-se ao sujeito e, este, sente a si mesmo
sob a denominação de sentimento de prazer e desprazer.
Ao escrever isso, o filósofo alemão passa a afirmarque a satisfação que
determina o juízo-de-gosto é realizada sem nenhum  interesse. Todavia, cabe
ressaltar aqui a definição que o autor faz deste conceito:
Interesse é denominada a satisfação que vinculamos  com a
representação da existência de um objeto. Como tal,tem sempre, ao
mesmo tempo, referência à faculdade-de-desejar, seja como seu
fundamento-de-determinação ou, pelo menos, como
necessariamente em conexão com seu fundamento-de-determinação
(KANT, 1974, p. 304).
O que importa para Kant não é a existência da coisaBela, mas o julgamento
que fazemos disto. O que importa é se a representação do objeto no sujeito produz
alguma satisfação, ainda que o sujeito se ponha de  forma indiferente à questão da
existência de tal objeto. Como diz Kant, “vê-se facilmente que é aquilo que, a partir
dessa representação, faço em mim mesmo, não aquilo  em que eu dependo da
existência do objeto, que importa para dizer que ele é belo e para demonstrar que eu
tenho gosto” (KANT, 1974, p. 304).
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Para afirmar a idéia de que a contemplação estéticaé feita de forma
desinteressada, Kant passa a distinguir três espécies de interesse, ou ainda, três
diferentes proporções das representações ao sentimento de prazer e desprazer: o
agradável, o beloe o bom.
O  agradável, como diz o próprio autor, “é aquilo que apraz aossentidos na
sensação” (KANT, 1974, 304), compreendendo este termo sensação como toda
espécie de satisfação, uma vez que se algo lhe apraz, justamente por que lhe apraz
causa um sentimento de agradabilidade e amabilidade, torna-se regozijante,
deleitoso e assim por diante. Não está em jogo aquio como se chega a isto, se eles
são impressões dos sentidos, proposições da razão ou ainda formas refletidas da
intuição, pois isto “seria o agrado na sensação de  seu estado (...) [e] não se poderia
presumir nelas nenhuma outra apreciação das coisas  e de seu valor, senão a que
consiste no contentamento que elas prometem” (KANT,1974, 305). A sensação a
que Kant se refere é a que está ligada ao sentimento de prazer e desprazer e não à
sensação da representação de uma coisa. É uma sensação que pertence ao campo
do sentimento e não do entendimento, da lógica. Suarepresentação tem a ver com
o sujeito e não com o objeto.
Entendemos, porém, (...) pela palavra sensação, umarepresentação
objetiva dos sentidos; e, para não correr sempre o perigo de ser mal
interpretado, queremos denominar aquilo que tem de  permanecer,
todo o tempo, meramente subjetivo e absolutamente não pode
constituir nenhuma representação de um objeto, com  o nome, de
resto corriqueiro, de sentimento. (KANT, 1974, p. 305)
O exemplo que o autor se serve para explicar esta idéia é de que quando se
olha para verdes prados, a cor verde pertence à sensação objetiva, àquilo que os
sentidos captam e são consideradas como conhecimento. No entanto, a sensação
de agradabilidade ou desagrado, pertencem à sensação subjetiva, aos sentimentos,
à satisfação, que não tem nada a ver com a idéia dequalquer espécie de
conhecimento.
Mas como fica a relação deste  agradável  com a idéia do  interesse? Aquilo
que satisfaz aos homens, só os satisfaz porque atendem a seus  interessesou um
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juízo-de-gosto por um objeto que agrada é feito de  forma desinteressada? Será que
tal juízo não contém em si mesmo certa inclinação, ou certo interesse?
2
Kant não vê problema nesta questão e afirma com certa naturalidade que o
juízo sobre um objeto agradável contém em si um interesse, e isto é claro para ele,
uma vez que o sujeito, por sensação, excita um desejo por objetos agradáveis e a
satisfação que este lhe dá pressupõe que ele existae que o afete.
Por isso, do agradável, não se diz meramente que ele  apraz, mas
que ele  contenta. Não é uma mera aprovação que eu lhe dedico,
mas por ele é engendrada uma inclinação; e, àquilo que é agradável
do modo mais vivo, a tal ponto não pertence nenhum  juízo sobre a
índole do objeto, que aqueles que sempre visam apenas à fruição
(pois esta é a palavra com que se designa a interioridade do
contentamento) de bom grado se abstêm de todo julgamento. (KANT,
1974, p. 305-306)
Diante disso, pode-se afirmar que um juízo-de-gostoque leve em conta o
agradávelexprime um interesse, pressupõe uma inclinação. Quando se trata, porém,
da relação com o segundo tipo de interesse mencionado por Kant, a saber, o bom,
ver-se-á que não é totalmente diferente, pois a satisfação com o  bomtambém é
vinculado com interesse. Mas quais são suas particularidades? Em que difere esta
relação do agradávele do bomcom o interesse? E ainda, como estes se relacionam
com o belo?
Inicialmente, cabe aqui demonstrar a definição de  bomutilizada pelo autor de
a  Crítica do Juízo: “Bom é aquilo que apraz por intermédio da razão,  pelo mero
conceito” (KANT, 1974, p. 306). Esta definição vai  ainda um pouco mais além, ele
distingue dois tipos de bom: o bom para algo, compreendido como algo útil ou ainda
que apraz como um meio; e o  bom em si, que apraz, segundo próprio autor, por si
mesmo. É importante notar que tanto um, quanto outro pressupõe o conceito de um
fim e, com efeito, exprimem um interesse qualquer, pois ambos se satisfazem com a
existência deste objeto ou desta ação que se denomina bom.
Kant percebe que muitas vezes, o agradável é visto  da mesma forma que o
bom, que os dois são a mesma coisa. Todavia, o que  se percebe é que isto não
passa de um mero equívoco das palavras. Ele utilizao exemplo, para ilustrar isto, de
que é possível afirmar que certo tipo de comida, umprato temperado com diversas
especiarias e outros ingredientes pode ser agradável e ao mesmo tempo, confessar
2
Compreendendo este conceito de interesse como a satisfação que vinculamos com a representação
da existência do objeto.
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que isto não seja bom. Isto se deve ao fato de “o agradável, que, como tal,
representa o objeto meramente em referência ao sentido, tem antes de ser trazido,
pelo conceito de um fim, sob princípios da razão, para denominá-lo, como objeto da
vontade, bom” (KANT, 1974, p. 306). No agradável, oobjeto deve necessariamente
satisfazer sem mediações, ou seja, de forma imediata. Já no tocante ao bom, isto
pode variar: se o bom for bom para algo, ele precisa de mediações, mas se for bom
em si, não. Em outras palavras, “para achar algo bom, tenho sempre de saber que
coisa o objeto deve ser, isto é, ter um conceito domesmo” (KANT, 1974, p. 306) O
mesmo não ocorre com o  belo, pois para encontrar beleza em pinturas, paisagens
ou outras obras não precisam ter um conceito determinado, mas nem por isso estes
deixam de causar satisfação. “A satisfação com o belo tem de depender da reflexão
sobre um objeto, que conduz a algum conceito (sem se determinar qual)” (KANT,
1974, p. 306). Kant utiliza outro exemplo para esclarecer esta idéia: a saúde é
imediatamente agradável para aquele que a possui. Mas nem sempre é possível
dizer que ela é boa, pois se faz necessário, para tal, orientá-la pela razão a fins, até
que se chegue ao ponto de que o corpo possa realizar todas as ações possíveis a
ele em boas condições.
Diante disso, Kant passa a concluir que, dentre todas as diferenças entre o
agradável e o bom uma coisa eles tem em comum, que é o fato de estarem sempre
vinculados a um interesse por seu objeto, seja comomeio para algum fim, como é o
caso do agradável e o mediatamente bom, seja como para o imediatamente bom,
que traz consigo um interesse supremo. “Pois o bom  é o objeto da vontade (isto é,
de uma faculdade-de-desejar determinada pela razão). Mas querer algo e ter uma
satisfação com a existência do mesmo, isto é, ter um  interesse –  uma satisfação
vinculada com a representação do objeto – por ela, é idêntico” (KANT, 1974, p. 307).
O juízo de gosto, neste sentido, está vinculado apenas ao sentimento de
prazer e desprazer, sendo considerado por Kant, justamente por isso, um juízo
meramente contemplativo, que não é orientado para conceitos e nem mesmo
destinado a eles, sendo, o agradável, o belo e o bom, maneiras diferentes de
representar este sentimento de prazer e desprazer.  O autor define então que o
“agradávelchama alguém àquilo que o  contenta;  belo, àquilo que meramente lhe
apraz;  bom, àquilo que é  apreciado,  estimado, isto é, em que é posto por ele um
valor objetivo” (KANT, 1974, p. 308). Cada qual destas três formas de
representações do sentimento de prazer e desprazer  são direcionadas, ora para os
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seres racionais e irracionais – é o caso do  agradável– ou somente para os seres
animais racionais, os homens – como no caso do  belo– ou ainda para os seres
racionais em geral, podendo ser animal ou não-animal – que é o caso do bom.
Estas três espécies de satisfações são referenciadas, respectivamente, àquilo
que Kant chama de  inclinação,  favore  respeito.  Contudo, a única, dentre estes três
tipos que é feita sem nenhuma forma de interesse é  a do gosto em relação ao belo.
Ela “é, única e exclusivamente, uma satisfação desinteressada e  livre, pois nenhum
interesse, nem o dos sentidos, nem o da razão, obriga à aprovação” (KANT, 1974, p.
308). A única satisfação livre, que prescinde de todo e qualquer interesse, é a do
favor. Assim, o gosto só é livre na contemplação dobelo, pois em se tratando de um
objeto da inclinação, não podemos ser livres, uma vez que ele se impõe ao desejo
por uma lei da razão, que, com efeito, impede toda  e qualquer liberdade de fazer
para si mesmo algo um objeto de prazer. Por isso, Kant afirma que “todo interesse
pressupõe necessidade, ou a produz; e, como fundamento-de-determinação da
aprovação, não deixa mais o juízo sobre o objeto ser livre (KANT, 1974, p. 308).
Para melhor esclarecer a idéia do interesse na inclinação, ou seja, no tocante ao
agradável, ele se utiliza do exemplo de que o melhor cozinheiro é a fome e que as
pessoas precisam primeiramente saciar suas necessidades para poder julgar se sua
escolha em relação a um prato de comida o torna um  sujeito de gosto, ou não. A
satisfação de agradabilidade pode não dizer nada emrelação ao gosto de um sujeito
que está faminto. Da mesma forma, em relação ao respeito (ao bom), Kant afirma
poder existir “costumes (condutas) sem virtude, cortesia sem benevolência, decência
sem honradez e assim por diante. Pois onde fala a lei moral não há, objetivamente,
mais nenhuma livre escolha quanto àquilo que é parafazer” (KANT, 1974, p. 308).
Assim, nota-se que o interessenão deixa o juízo sobre um objeto ser um juízo
livre, sendo que a única espécie de satisfação capaz de prescindir de todo e
qualquer interesse é a que se refere ao belo e nadamelhor que as palavras do
próprio Kant, inferida do primeiro momento da  Analítica do Belopara melhor
esclarecer esta ideia: “Gostoé a faculdade-de-julgamento de um objeto ou de um
modo-de-representação, por uma satisfação, ou insatisfação,  sem nenhum
interesse. O objeto de uma tal satisfação chama-se  belo” (KANT, 1974, p. 309). O
gosto é a faculdade de significar sensivelmente o supra-sensível e a obra de arte é o
produto humano capaz de despertar em nós o belo, sendo visto como um símbolo
do supra-sensível. Será que esta é uma solução paraa possível conciliação entre
13
liberdade e natureza, para o abismo que Kant tenta  fechar? Paul Guyer partilha
desta ideia e escreve que Kant tentou
(...) argumentar que é através destes ideais que nós podemos unir os
reinos da natureza e da liberdade, porque a experiência estética nos
oferece uma imagem palpável da nossa liberdade moral, e uma
concepção científica do mundo como um sistema de seres
interdependentes só faz sentido como uma imagem do  mundo como
a esfera dos nossos próprios esforços morais (GUYER, 2010).
Será que com esta ideia, o abismo passa a ser anulado? Qual é o papel do
sujeito dentro da contemplação estética, para validar esta ponte inteiramente
subjetiva? O que Kant tem em vista alcançar ou assegurar quando, de um lado,
afirma a radical distinção entre liberdade e natureza, e quando, de outro, procura
conduzi-la a uma espécie de conciliação mediante o  juízo? São questões como
estas que este projeto de pesquisa tem como objetivo investigar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Abril Cultural. 1974 (coleção os pensadores);
______.  Crítica da Razão Pura.  Tradução Valério Rohden e Udo Baldur
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______.  Crítica da Razão Prática.  Edição Bilíngue. Trad. Valério Rohden. São
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Cultural, 1974.
14
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Janeiro: Ed. Vozes, 1999.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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CASSIRER, E. A filosofia do Iluminismo.Campinas: Ed. Unicamp, 1993;
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Passo Nº 54. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
GOETHE, Johanm W.  Escritos Sobre a Arte.Trad.: Marco Aurélio Werle. São
Paulo: Associação Editorial Humanitas, Impressão Oficial, 2005.
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Philosophy.London: Routledge. acessado 22/07/2010
(http://www.rep.routledge.com/article/DB047
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SCHILLER, Friedrich.A educação estética do homem: numa série de cartas. São
Paulo: Iluminuras, 1990;
REGO, Pedro C.  A Improvável Unanimidade do Belo. Rio de Janeiro: Editora 7
Letras, 2002
Revista da Sociedade Kant Brasileira. Studia Kantiana.  Kant e a Crítica da
Faculdade do Juízo.Volume 5, Número 1. Ano 2001.

Teleologia e esperança em Kant: O encontro entre natureza e liberdade

1
Teleologia e esperança em Kant:
O encontro entre natureza e liberdade
Adriano Beraldi
*
Vitória (ES), vol. 1, n. 1  SOFIA
Agosto/Dezembro – 2012    Versão eletrônica
*
UFES - adriano.beraldi@gmail.com
2
Resumo: o  presente artigo busca refletir acerca da convergência entre a concepção kantiana da história,
apresentada na obra Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, e sua visão religiosa,
principalmente expressa em  A religião nos limites da simples razão. O que se pretende é demonstrar como
esse procedimento significa, para Kant, que deve haver uma razão que se realiza tanto no campo históric o
quanto no da religião, tendo em vista o agir moral, o que lhe permite promover a harmonização entre
natureza e liberdade.
Palavras-chave: História; Religião; Natureza; Liberdade; Felicidade.
Abstract: this paper aims to reflect about the convergence  between Kant‟s conception of history, presented
in  his Idea of a universal history based on the principle of world-citizenship, and his religious view  which is
mainly  expressed in  Religion within the limits of reason alone. The goal  is to demonstrate how  this
procedure means, for Kant,  that  there must be a reason which takes place both in history and in the field of
religion with respect to the moral act, which allows him to promote harmony between nature and freedom.
Keywords: History; Religion; Nature; Freedom; Happiness.
Introdução
Em  Idéia de uma  história  universal de um ponto de vista cosmopolita  –  que, surgido em
1784, pode ser considerado um dos primeiros trabalhos de filosofia da história alemã  –  Kant
entende em um sentido muito peculiar a razão  se realizando na história. Nesta obra, a racionalidade
do mundo se encontra manifesta pelo que o pensador classifica, de um ponto de vista metafísico,
como leis naturais universais. Assim, ele busca, permeando qualquer manifestação, mesmo aquelas
que dizem  respeito aos mais estritos atos de liberdade da volição humana, um fio condutor de cariz
teleológico: um contínuo e progressivo desenvolvimento de nossas potencialidades   rumo ao
máximo aperfeiçoamento moral.
Claro, há irregularidades nesse curso. Estas, encontradiças ao longo da construção de nossa
civilização, muitas vezes parecem demonstrar justamente o contrário do que o filósofo propugna. A
conduta humana  particular  no decorrer dos tempos, via de regra, tem sido tão pródiga em
manifestações de infâmia,  infantilidade e quejandos descompassos, que faz parecer, a uma primeira
vista, que a tentativa de descortinar em nossa história um propósito unificado seria dificilmente
qualificável como racional.
Contudo, a racionalidade proposta por Kant, neste caso, transcende o âmbito dos indivíduos.
A regularidade progressiva vista por ele na história tem como objeto, não nossas vivências
particulares, mas as coletivas; não o homem, mas a humanidade. Para a teleologia da história
kantiana, o que se mostra desordenado  nos sujeitos individuais deve ser perceptível no gênero
humano do modo oposto. Então, a despeito de nossas vicissitudes enquanto indivíduos, nossa
3
espécie está  naturalmente  destinada, pela própria necessidade racional, ao seu pleno
desenvolvimento.
Porém, como podemos constatar na segunda  Crítica de Kant (a Crítica da razão prática), se
a natureza diz respeito a uma causalidade de cunho determinista, estando oposta àquela
correspondente à liberdade, de que modo estaríamos, mesmo quanto ao gênero humano co mo um
todo, destinados naturalmente, dado sermos eminentemente seres livres? Está, portanto, posta a
necessidade da existência de um campo para compatibilização entre os conceitos de natureza e
liberdade no quadro do pensamento prático kantiano.
Sendo assim, vejamos como ele trabalha a harmonização destes dois conceitos nessa visão
teleológica da história da civilização. Com esse procedimento, poderemos cotejá -la com sua não
menos peculiar concepção religiosa desenvolvida em  A religião nos limites da simples razão, lá,
onde é também notável o interesse da razão prática em tal harmonização. Será, pois, a tentativa da
demonstração das simetrias existentes em ambas as concepções, expressas nas duas obras
supracitadas, o escopo do presente esforço e, nessa reflexão, buscar entender o modo como nosso
pensador logra promover o referido acordo entre natureza e liberdade.
As teleologias da história e da religião
Dividido em nove proposições, o opúsculo  Idéia de uma  história  universal de um ponto de
vista cosmopolita
1
, traz um Kant interessado em reconhecer o fio condutor que leva a história
humana à realização de seu fim último. Esse progresso teleológico dá-se, diz o pensador,
independente da percepção dos indivíduos que o seguem. Cada ser humano, buscando seus
interesses particulares  –  comumente uns contra outros  –  promove, desse modo, aquilo que Kant
chama de propósito da natureza. Assim, antes de mais nada, cumpre-se a exata compreensão do que
está aqui sendo classificado por natureza.
Na  Critica da razão pura  (que em sua primeira edição antecede a da  Idéia  em três anos),
Kant, numa seção da  Lógica transcendental  denominada  Analítica transcendental, distingue o
conceito de natureza sob dois aspectos: o material, referente ao empírico conjunto fenomênico da
multiplicidade das nossas representações em geral (a  natura materialiter spectata)
2
; e o formal, que
diz respeito ao ordenamento realizado sinteticamente pelas categorias  a  priori  de nosso
entendimento na recognição daquele múltiplo considerado (a  natura formaliter spectata), isto é, a
ordem e a regularidade dos fenômenos de acordo com a “natureza do nosso espírito”,   um
1
Obra doravante denominada no texto apenas como Idéia.
2
Cf. KANT, Crítica da razão pura, pp. 155 e 156.
4
fundamento interno de causalidade que já contém em si, objetivamente, os princípios subjetivos da
unidade sintética.
3
Embora não explicitado por Kant, isto  acaba por significar  que o funcionamento
de nossa capacidade cognitiva segue uma necessidade lógica racional mais “apriorística” que as
próprias categorias a  priori  do entendimento
4
.    Além disso, na mesma obra, mas já no âmbito das
considerações da seção  Dialética transcendental, a natureza é tomada pelo mundo considerado
como um todo dinâmico, atendendo
[...] não à agregação no espaço ou no tempo para o realizar como uma grandeza, mas à
unidade na existência  dos fenômenos. Neste caso, a condição do que acontece chama-se a
causa e a causalidade incondicionada da causa no fenômeno denomina -se liberdade; a
causalidade condicionada recebe o nome de causa natural no sentido mais estrito. O
condicionado na existência em geral designa-se por contingente e o incondicionado por
necessário. À necessidade incondicionada dos fenômenos pode chamar-se  necessidade
natural [grifo meu].
5
Assim, seria a partir desse sentido  formal  de natureza, da necessidade incondicionada dos
fenômenos  (ou seja, tal como nos  aparecem e não como são em si) apresentados na primeira
Crítica, que Kant teceria suas considerações na  Idéia. De outro modo, o esforço de sua filosofia
prática em conciliar a causalidade da natureza (em sentido geral), cuja metafísica é trabalhada na
Crítica da razão pura, com a causalidade da liberdade, exposta na  Crítica da razão prática  estaria,
de saída, baldado, uma vez que constituiria o fulcro aporético da  terceira antinomia da razão pura
da primeira Crítica
6
.
Contudo, na  Idéia, distinguindo a mera  acumulação de eventos da história empírica, que
chama de  Historie, da história do mundo, denominada  Weltgeschichte, o pensador elege esta
segunda como um  projeto: trata-se de estabelecê-la a partir da  idéia  de “(...) como deveria ser o
curso do mundo,  se  ele fosse adequado a certos fins racionais”
7
. Então, esse sentido da história,
3
Ibidem, pp. 167 e 168.
4
Entenda-se: a despeito da epigênese da razão pura que as categorias r epresentam para o nosso pensador, é
inevitável que consideremos que há, ainda que não cognoscível em si pelo nosso entendimento, mas indicada
pelo  nosso irrefreável e inato tender ao que nos transcende (alvo, justamente, da crítica kantiana, mas
reconhecido  por ele como uma espécie de  motus  acrítico  ao conhecimento), uma certa “ordem racional” que
conforma toda nossa cognição, algo como uma “natureza incondicionada geral”, obviamente, não trabalhada por
Kant dentro dos limites da razão pura, mas que, nem por isso, deve alijar-se de nossas considerações. De tod o
modo,  apenas  cito aqui esse questão. Tal reflexão extrapolaria em muito o escopo deste artigo, ficando para
considerações posteriores sua aprofundada apreciação.
5
KANT, Crítica da razão pura, pp. 387 e 388.
6
KANT, Crítica da razão pura, pp. 408 a 411.
7
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita,  p. 20. Cf. também a esse respeito,
TERRA, Algumas questões sobre a filosofia da história em Kant, pp. 44 e 45  (publicado como apêndice a esta
mesma tradução citada).
5
idealizado, e, portanto, não -incondicionado, diz respeito ao que é “(...) realizável sob certas
condições. Estas condições são o que Kant indica com o termo „natureza‟”
8
, esta sim, tomada
fenomenicamente, uma necessidade incondicionada, mas, do ponto de vista prático, submetida ao
fundamento da exigência de um mundo racional, isto é, a liberdade, de todo modo, incondicionada.
Será,  pois, nesse sentido, digamos, heurístico, que nosso pensador reconhecerá um propósito que
viabilize
[...] uma história segundo um determinado plano da natureza para criaturas que procedem
[individualmente] sem um plano próprio. Queremos ver se conseguimos encontrar um fio
condutor para tal história e deixar ao encargo da natureza gerar o homem que esteja em
condição de escrevê-la segundo este fio condutor.
9
Que natureza? A natureza humana, cujas exigências de uma ordem racional, condicionando
as próprias estruturas de nosso entendimento, não se detém diante da impossibilidade do
conhecimento  numênico  do real. Daí as primeiras palavras de Kant na  Idéia  serem precisamente
estas:
De um ponto de vista metafísico  [grifo meu], qualquer que seja o conceito que se faça da
liberdade da vontade, as suas manifestações [Erscheinungen] – as ações humanas –, como
todo outro acontecimento natural, são determinadas por leis universais.
10
Não obstante, esta estratégia, dando azo à nossa natural necessidade daquela ordem
racional, nem por isso, no campo  prático,  constitui um procedimento não formal, haja vista partir
de um horizonte claramente conceitual. Há que se notar, por fim, que “forma” aqui, contraposta a
conteúdo, significa estrutura de universalidade: o critério da filosofia prática kantiana é formal
porque o que se busca não é o resultado (o prazer, o lucro, os benefícios, enfim, os apelos
“materiais”) que nossa ação possa trazer, já que, de um modo ou de outro, redunda sempre
contingente, mas o princípio da  universalidade, ou seja, aquilo que todo ser racional
necessariamente experimenta  a priori.  Ainda assim, veremos, Kant percebe que o fim de nossas
ações, dada nossa própria natureza, não pode ser ignorado. Portanto, justamente o que levava aos
paralogismos e às aporias descritas na primeira  Crítica, a partir da Idéia – e de toda a obra kantiana
8
CHIODI, La filosofia kantiana della storia. In Rivista di Filosofia (58), p. 280, apud TERRA, p.49.
9
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, pp. 4 e 5.
10
Ibidem, p. 3.
6
de cunho prático
11
–  permite agora dirigir nossas ações independentemente da mecânica causal dos
fenômenos, pois a liberdade,  noumenon  por excelência, é o que fundamenta a lei moral que nos
orienta. Então, numenicamente, a natureza das ações humanas pode ser considerada sem
contradição como determinada por “leis universais”.
Isto posto, temos que na  Primeira proposição  da  Idéia,  Kant  parte do pressuposto de que
todas as nossas disposições naturais (como as de  qualquer outra criatura) destinam-se,
teleologicamente, ao seu completo desenvolvimento. Do contrário, não haveria na natureza uma
racionalidade normatizadora. Ora, dada sua intrínseca condição, no homem essas disposições
dizem respeito ao uso da característica exclusiva de sua espécie: a faculdade da razão. Ocorre que
tal faculdade trabalha, não à maneira do instinto apresentada em outros seres, mas pelo
procedimento da tentativa e erro e a transmissão do conhecimento ao longo das gerações, num
progresso paulatino até a perfacção de todas as disposições humanas, pois, no homem, a superação
da “ordenação mecânica de sua existência animal”
12
é o que há de natural, tendo em vista aquela
sua mais própria faculdade. Isso se dá, justamente, pela liberdade da vont ade humana que se funda
na razão. Então, de modo análogo ao descrito na segunda  Crítica, onde a determinação da vontade,
impondo-se independente de princípios empíricos, dava-se  a priori  na lei moral como um  factum
da razão
13
derivado da liberdade, devemos  tirar de nós mesmos, livremente, a nossa  felicidade ou
perfeição.
Mas como falar de felicidade, o mero fundamento de normas hipotéticas, no rigoroso
quadro da deontologia kantiana? É que, embora o imperativo categórico nos vete um agir moral em
função da  felicidade, a questão da finalidade desse agir
14
não nos é racionalmente indiferente.
Mesmo diante do fato de que devemos agir moralmente apenas pelo dever não podemos
simplesmente nos mostrar desinteressados se os justos são bem sucedidos ou não. Uma reali dade
onde estes fossem amiúde malogrados seria por demais negativa e, sobretudo, por definição,
irracional. Então, o agir pelo dever não finalisticamente de um lado, e de outro, a exigência racional
de uma certa ligação da justiça com a virtude  –  e destas  com a felicidade  –  são os pólos que, no
campo de sua filosofia prática, fazem com que Kant postule tanto a persistência da alma quanto a
existência de Deus, e passe, assim, às suas considerações religiosas. Ou seja, na arquitetônica
kantiana, a necessária  racionalidade do real é o que suscita de modo análogo tanto sua filosofia
11
Vale notar que a Idéia antecede não só a Crítica da razão prática, de 1788, mas até mesmo a  Fundamentação
da metafísica dos costumes, que lhe é posterior em um ano, vindo à luz em 1785.
12
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 6.
13
Ou seja, uma determinação como realidade objetiva da razão prática pura, tendo em vista a  representação  da
lei moral.
14
Reverbera aqui a teleologia aristotélica: não pode haver nenhum agir sem uma finalidade. Cf.
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, I, i e ss.
7
prática da história, presente na Idéia, quanto sua filosofia prática da religião, trabalhada na  Religião
nos limites da simples razão
15
.
De todo modo, esse procedimento progressivo, nos informa Kant na  Segunda proposição,
necessitando de um tempo demasiadamente longo, demandaria não uma só existência, mas várias,
talvez mesmo uma indefinida série  de  gerações que conduzissem na espécie humana o  germen
natural “àquele grau de desenvolvimento que é complemente adequado ao seu propósito”.
16
Destarte, as gerações passadas, ainda que inadvertidamente, lançaram os fundamentos para
a edificação de nosso propósito natural, o que implica na interessantíssima constatação, por parte
de Kant, na Terceira proposição, de que
[...] somente as gerações posteriores devam ter a felicidade de habitar a obra que uma
longa linhagem de antepassados [certamente sem esse propósito] edificou, sem mesmo
poder participar da felicidade que preparou. Por enigmático  que isto seja, é, entretanto,
também necessário, quando se aceita que uma espécie animal deva ser dotada de razão e,
como classe de seres racionais, todos mortais, mas cuja espécie é imortal, deve todavia
atingir a plenitude do desenvolvimento de suas disposições.
17
Já podemos notar aqui que, se no campo prático -religioso, a razão nos obriga a postular a
imortalidade da alma  (e a existência de Deus) para a conjugação no indivíduo entre o agir virtuoso
e a felicidade no outro mundo, no âmbito prático -histórico, o curso dos acontecimentos humanos,
vistos universalmente, encontra equivalente exigência: a  imortalidade da espécie  é o que garante
tempo suficiente para sua felicidade terrena, no desdobrar futuro do pleno desenvolvimento de suas
disposições. O curioso é o mecanismo de que a natureza se utiliza para a realização dessas
disposições: o antagonismo intrínseco à “insociável sociabilidade”, uma inata e evidente tendência
à sociabilização axialmente relacionada à constante ameaça de sua dissolução. Para Kant, por um
lado, temos uma inclinação para a sociabilidade, pois sentimo -nos mais humanos diante das
possibilidades de desenvolvimento de nossas disposições naturais que tal estado nos proporciona;
por outro, possuímos também uma forte tendência ao isolamento, dada a qualidade insociável que
nos habita e que nos conduz apenas ao nosso próprio interesse, fazendo com que tanto nos
oponhamos aos outros, quanto esperemos deles semelhante oposição.
Pois, a solução para o que vemos aqui é aquilo que na terceira  parte da  Religião  será
desenvolvido no âmbito da  eclesiologia  kantiana. Entendendo, como na  Idéia, que a convivência
15
Sua publicação data de 1793. Esta obra será doravante denominada no texto apenas como Religião.
16
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 6.
17
Ibidem, p. 8.
8
humana nos incentiva ao mal, Kant a considera um campo bastante propício para as influências
negativas. Para combater tal estado de coisas é necessário um estímulo à moralidade. Aí entra o que
ele chama de “igreja invisível”: um conjunto de pessoas que se convocam mutuamente ao dever
moral, isto é, a agir segundo o imperativo categórico do dever, em vista de sua universalidade. É
desde a visão da religião como “povo de Deus” em função de um “reino dos fins” que podemos
compreender o conceito kantiano de comunidade ética. Claro, essa é uma noção bastante singular
do imperativo categórico; e é o próprio Kant quem o constata:
Temos, pois, aqui um dever de índole peculiar, não dos homens para com homens, mas do
gênero humano para consigo mesmo. Toda a espécie de seres racionais está objetivamente
determinada, na idéia, a saber, ao fomento do sumo bem como bem comunitário. [...] é
uma idéia completamente diversa de todas as leis morais [que concernem àquilo que, pelo
que sabemos, está em nosso poder], a saber, a atuar em vista de um todo a cujo respeito
não podemos saber se ele está, como tal, também em nosso poder; por isso, este dever,
quanto à índole e ao princípio, é diferente de todos os outros.
18
Será justamente como pressuposto a tal peculiar idéia que o conceito de Deus, como um ser
moral superior, aparecerá aqui. Na medida em que a moralidade das ações diz respeito apenas ao
indivíduo, interiormente, a noção de comunidade ética  –  que, enquanto comunidade, é exterior por
natureza  –  necessita de outra instância legisladora capaz ordenar e promover em comum o agir
moral. Não podendo ser da ordem da coação
19
, esse supremo legiferar deve ser conce bido como
partindo de
[...] um ser relativamente ao qual todos os  verdadeiros deveres, portanto, também os
éticos, se hão-de representar  ao mesmo tempo  como mandamentos seus; o qual, por isso,
deve igualmente ser um conhecedor dos corações, para penetrar  no mais íntimo das
disposições de ânimo de cada qual e, como deve acontecer em toda a comunidade,
proporcionar a cada um aquilo que seus atos merecem.
20
Este, portanto, é o sentido que Kant atribui ao conceito de Deus como soberano moral do
mundo. E sua comunidade ética, a igreja propugnada pelo pensador, o povo de Deus unido sob seus
estatutos, em tudo concordes com a lei moral, como mandamentos divinos.
18
KANT, A religião nos limites da simples razão, pp. 103 e 104.
19
Pois tal redundaria em pura heteronomia, o que,  no pensamento  moral do iluminista Kant, seria inaceitável.
Continua valendo, mesmo para este peculiar dever comunitário, a regra primordial da  autonomia  (que é, afinal,
um dos postulados da razão prática) no acatamento dos imperativos morais: se devemos, podemos.
20
KANT, A religião nos limites da simples razão, p. 105.
9
Mas, voltando ao encaminhamento que Kant dá à reflexão sobre a “insociável
sociabilidade” na  Idéia, é justamente aquele antagonismo, próprio das relações sociais, que nos
açula, que nos move em direção à superação de nossa tendência à inação, o que nos leva também à
necessidade da promoção dessa comunidade ética. Assim, na  Quarta proposição, temos  que o
indivíduo é movido
[...] pela busca de projeção [Ehrsucht], pela ânsia de dominação [Herrschsucht] ou pela
cobiça [Habsucht], a proporcionar-se uma posição entre companheiros  que ele não  atura,
mas dos quais não pode  prescindir. Dão-se então os primeiros e verdadeiros passos que
levarão da rudeza à cultura, que consiste propriamente no valor social do homem; [...] com
o tempo [têm início] as toscas disposições naturais para o discernimento moral em
princípios práticos determinados e assim finalmente  transformar um acordo extorquido
patologicamente para uma sociedade em um todo moral.
21
Essa inegável dialética kantiana  –  que em nada assemelha-se à dialética transcendental da
primeira  Crítica, mas que igualmente dista daquela hegeliana
22
–  é o que faz com que aflorem
socialmente as faculdades humanas que, de outro modo, permaneceriam numa vida “arcádica” e
pacífica, em estado latente, apenas em germe: jazeríamos em um “sono eterno”, não
preencheríamos o “vazio da criação em vista de (nosso) fim como natureza racional”.
23
Não obstante, na medida em que os impulsos naturais
24
levam à insociabilidade e esta à
oposição geral, se produzem, de um lado, os males descritos na  Religião  –  que nada mais são que
os vícios do desvirtuamento da disposição para o bem da humanidade  (em inveja, rivalidade, ou na
abominável, mas bem tangível,  Schadenfreude,  i. e., a alegria pelos prejuízos alheios)  –, de outro,
também promovem com a tensão de forças implicadas o desenvolvimento de soluções para o
alcance e o aperfeiçoamento do estado cosmopolita, cuja gênese e estrutura serão o alvo das cinco
seguintes proposições na Idéia.
21
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, ps. 8 e 9.
22
A despeito de algumas interpretações como as de E.  Jacobi, Ricardo Terra, em seu supracitado artigo, ressalta
que esse antagonismo refere-se a um desenvolvimento contínuo e não propriamente a uma  Aufhebung. Para
tanto, evoca as palavras de K. Weyand, segundo o qual “a correlativa ação conjunta de iso lamento e associação
na verdade leva ao desenvolvimento, não se suprime (aufhebt) em um mais alto nível de cultura, mas continua
existindo e, mesmo no estado cosmopolita postulado, não desaparece”. Cf. TERRA,  op. cit., p.62, n.93.
23
KANT,  Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 9. Parece-me  importante
observar que não devemos ver aqui um  insight  darwinista  avant la lettre: existe, ao contrário, uma clara
determinação dessa natureza, onde não há espaço para o acaso que é fundamen tal na teoria da seleção natural.
24
E aqui trata-se mesmo do aspecto até certo ponto pático da natureza humana, num espelhamento da tendência
originária para o bem na determinação do homem quanto a sua disposição para a  humanidade  como ser  vivo  e
racional, tal qual exposto na primeira parte da Religião (cf. p. 33).
10
Deste modo, a  Quinta proposição  já traz um problema: o alcance de uma  sociedade civil
que seja universalmente justa, e que permita, ao mesmo tempo, a máxima liberdade para o
desenvolvimento de todas as disposições (que constitui o “mais alto propósito da natureza”) e o
conseqüente antagonismo de seus membros. A solução kantiana aponta para aquela que se
apresenta como nossa maior tarefa enquanto seres so ciais racionais: a  constituição civil. De fato,
esta tornaria viável à natureza o alcance de todos os demais propósitos relativos à nossa espécie. É
através da constituição civil como o poder supremo, que aquela nossa liberdade sob “leis
exteriores” pode unicamente ser, de modo justo, submetida:
É a necessidade que força o homem, normalmente tão afeito à liberdade sem vínculos,
a entrar neste estado de coerção; e, em verdade, a maior de todas as necessidades, ou seja,
aquela que os homens ocasionam uns aos  outros e cujas inclinações fazem com que eles
não possam viver juntos por muito tempo em liberdade selvagem. Apenas sob um tal
cerco, como o é a união civil as mesmas inclinações produzem o melhor efeito.
25
Não só a ordem social, mas mesmo todo esplendor  cultural e artístico que a humanidade
produziu derivam diretamente dessa insociabilidade à medida que é compelida ao artifício imposto
da sociabilização. Esta, para Kant, promove entre os indivíduos a relação externa da mútua
convocação à moralidade que jaz internamente como dever em cada um. Tanto que o respeito  –
praticamente único sentimento justificado no âmbito moral, dado que se produz unicamente pela
razão, não tendo, pois, nada de patológico  – é o que nos advém quando encontramos uma pessoa de
elevada estatura moral: o respeito (Achtung) que temos por alguém mostra-se, na verdade,
reverência à lei “plasmada” pelo exemplo posto diante de nós como tal pessoa
26
. Mas a empresa da
sociabilização encerra uma profunda dificuldade.
Na Sexta proposição da Idéia, Kant reconhece que, posto ser um animal, e, como tal, sujeito
a todas aquelas inclinações sensíveis esquadrinhadas na  Religião, o homem não pode prescindir de
um  Senhor. Sem este, a liberdade de que naturalmente goza seria, relativamente aos outros,
irrefreável. Assim, é necessário que haja uma liderança que, submetendo a vontade particular desse
homem, o obrigue à racionalidade de uma vontade válida para todos e que garanta a liberdade
universal. O problema está exatamente em descobrir entre os homens  –  afinal, igualmente sujeitos
25
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, pp 10 e 11.
26
Trata-se de experiência reverencial análoga àquela da idéia do Cristo arquetípico, ínsita em nós, como um
homem moralmente agradável a Deus, tal qual é trabalhada na segunda parte da  Religião  (cf. p.67 e ss.). Nesse
sentido, o respeito ao exemplo da pessoa moral se daria como “cópia”, como  éktypos  (literalmente, “talhado em
relevo”), enquanto Cristo, nosso  archétypon  subjetivo (da objetividade da lei moral), seria exatamente seu
modelo.
11
àquelas inclinações egoístas e ao abuso de sua liberdade  –  este líder, por si mesmo justo. Esta é,
para Kant, a mais árdua das tarefas, pois, sua perfeita solução é impraticável: “(...) de uma madeira
tão retorcida, da qual o homem é feito, não se pode fazer nada de reto: Apenas a  aproximação
(grifo meu) a esta idéia nos é ordenada pela natureza”
27
.
Não há, portanto, equação possível para o problema se nos ativermos à idéia de uma
solução de poder individual. Semelhante senhor deveria agregar um conjunto de qualidades
virtualmente inalcançáveis por qualquer indivíduo isoladamente: precisão quanto aos conceitos de
uma constituição possível; toda a experiência cultivada através da história do mundo
(Weltgeschichte); e, sobretudo, uma boa vontade, que esteja pronta a abraçar, desinteressadamente,
a empresa desta constituição. Ou seja, tal missão da natureza não está ao alcance dos indivíduos
enquanto tais, dadas suas limitações e idiossincrasias, mas pode competir tão somente à sua
universalização: apenas a  espécie  humana pode esperar a aproximação desta destinação natural,
esta perfeição exigida pela racionalidade kantiana, este, por que não, “sumo bem” terreno. E é
justamente neste ponto que podemos ver em ação a teleologia formalist a tão cara ao pensamento
kantiano. É ela que impele o nosso filósofo à pergunta retórica de sua  Sétima proposição: “será
mesmo racional aceitar a finalidade das disposições naturais em suas partes e, no entanto, a
ausência de finalidade no todo?”
28
Ora, seria profundamente irracional se estivéssemos destinados enquanto indivíduos à
realização de nossas disposições naturais  –  embora o progresso inerente na história de nossa
civilização dependa de sua regulação e ordenamento sob estatutos civis  –  e a mesma natureza,
universalmente considerada, “por meio de uma arte que lhe é própria, embora extorquida do
homem”
29
, se desencontrasse da sua mais elevada finalidade. Mas, notemos, o que valerá na
apreciação da razão prática desenvolvida na segunda  Crítica, bem como   na  Fundamentação da
metafísica dos costumes  e, é claro, na  Religião, também aqui já se impõe como condição  sine qua
non  para a consecução do projeto cosmopolita: “(...) todo bem que não esteja enxertado numa
intenção moralmente boa não passa de pura aparê ncia e cintilante miséria.”
30
Isto é, o mesmo dever
que valerá como baliza para as máximas das ações morais do homem, vale também para o gênero
na urdidura e atuação do Estado republicano.
De fato, o  télos  desse projeto deve ser visto justamente como a co ncretização do encontro
entre a história e a natureza humanas. Tanto que, na Oitava proposição, Kant diz que podemos
27
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 12.
28
Ibidem, p. 15.
29
Ibidem, p. 14.
30
Ibidem, p. 16.
12
[...] considerar a história da espécie humana,em seu conjunto, como a realização de um
plano oculto da natureza para estabelecer uma constituição política perfeita interiormente
e, quanto a este fim, também exteriormente perfeita, como o único estado no qual a
natureza pode desenvolver plenamente, na humanidade, todas as suas disposições.
31
Se pouco divisamos empiricamente algo que indique a existência desse propósito oculto,
isto se deve à própria característica do processo: o tempo que tal percurso exige para se cumprir é
demasiado longo  –  que é, afinal, o que obriga a sua efetivação apenas na espécie como um todo e
não nos indivíduos tomados isoladamente. Entretanto, assim como os pontuais conhecimentos
astronômicos adquiridos ao longo do tempo foram suficientes para o reconhecimento de
determinadas leis universais no mundo, a experiência possível desse nosso encaminhamento
teleológi co permite a entrevisão de seu princípio geral. Na verdade não faz sentido que nossa
natureza, dada sua disposição racional, lhe seja indiferente, uma vez que podemos  esperar  que ela
acelere seu advento. E, a despeito de Kant constatar em seu tempo um está gio ainda incipiente para
a aproximação a este fim, a própria circunstância política que presenciava  – a formação, entre o fim
do século XVIII e o início do século XIX, dos Estados Nacionais  –  justificava ainda mais seu
encaminhamento. Embora considerando  o  Staatskörper  de sua época ainda um “esboço grosseiro”
desse futuro corpo político universal, Kant via na artificialidade das relações entre os Estados, além
de uma demonstração mais amplificada daquele mecanismo dialético da “insociável sociabilidade”,
também uma garantia das próprias recém reivindicadas  –  e até certo ponto conquistadas  –
liberdades civis
32
. Então, devemos alimentar a esperança de que, após uma longa série de
transformações, aquele propósito supremo da natureza possa, um dia, ser realizado : o Estado
cosmopolita universal, em cujo seio “(...) podem se desenvolver todas as disposições originais da
espécie humana.”
33
Finalmente, a  Nona  proposição  assinala que o esforço filosófico para a elaboração de uma
história universal mediante um  propósito  natural, tendo em vista a união civil de nossa espécie,
deve ser considerada não apenas possível, mas favorável à consecução deste mesmo propósito.
Kant  retira, portanto, da lógica e da utilidade desta idéia, que abarca até o jogo da liberdade
humana, sua razoabilidade e justificação: sendo “secretas” as estruturas de tal mecanismo, sua
31
Ibidem, p. 17.
32
Tanto que, na mesma proposição (cf. p18) declara que “nenhum deles (os Estados) pode negligenciar a cultura
interna sem perder em poder e influência diante dos outros; assim os propósitos ambiciosos asseguram bem, se
não o progresso, ao menos a manutenção dessa finalidade da natur eza. Mais ainda: a liberdade civil hoje não
pode mais ser desrespeitada sem que se sintam prejudicados todos os ofícios, principalmente o comércio, e sem
que por meio disso também se sinta a diminuição das forças do Estado nas relações externas.” Na esteir a dessas
liberdades individuais Kant chega a identificar a própria liberdade universal de religião.
33
KANT, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, p. 19.
13
concepção serve de fio condutor na exposição do sentido da história, planificado, e não um mero
agregado assistemático de nossas ações ao longo do tempo. Kant considera essa justificação (no
fundo, voltada para a esperança) de não pouca monta, chegando a atribuir à natureza assim
entendida a qualificação de Providência, e, como seu corolário, pergunta:
De que serve enaltecer a magnificência e a sabedoria da criação num reino da natureza
privado de razão, de que serve recomendar sua observação, se a parte da vasta cena da
suprema sabedoria que contém o fim de todas as demais  –  a história do gênero humano  –
deve permanecer uma constante objeção cuja visão nos obriga a desviar   os olhos a
contragosto e a desesperar de encontrar um propósito racional completo, levando-nos a
esperá-lo apenas em um outro mundo?
34
Considerações finais
Se, por um lado, no que tange à realização individual, a razão nos faz pressupor a persistência
de nossa alma e a existência de Deus para a consumação de um concerto entre o cumprimento do
dever e a felicidade, por outro, podemos esperar que haja, engendrando racionalmente o progresso
da espécie humana, um fim que realize todas as nossas disposições para o sumo bem na própria
história. Ambos os aspectos são, na verdade,  postulados  kantianos. Postulado significa não um
conhecimento teórico-especulativo, mas uma exigência racional a partir do dever e de seu exercício
seja no indivíduo ou na espécie.  Não conhecemos especulativamente a liberdade, a imortalidade da
alma, Deus ou a finalidade da história da civilização, mas possuímos uma exigência racional prática
de cada um a partir da nossa ação moral no mundo. Postulamos também, pois, no sentido de situar
um horizonte para realização do nosso dever-ser.
E é para tal realização que Kant emprega o termo “prático” em sua filosofia moral. Este
termo faz referência a um agir normativo, mas que se dá intersubjetivamente. Seus princípios
podem ser máximas (subjetivas), sempre próximas à ação concreta, e imperativos (objetivos) que,
por sua vez, ou são hipotéticos que, numa relação meio -fim, revelam-se condicionais, ou
categóricos, isto é, incondicionados. Contudo, mesmo o imperativo categórico, a despeito de
f ormular aprioristicamente o dever pelo dever, sendo, afinal, um princípio para a ação no mundo
não deixa de atingir também, de certo modo, um objetivo. Há um  télos  implícito aqui o que,
portanto, nos impede de desconsiderar a finalidade  tout court. Kant sabia muito bem que os
resultados de nossas ações morais não poderiam ser ignorados. Ele notou que   essas ações
34
Ibidem, pp. 21 e 22.
14
acabariam, forçosamente, tendo um efeito no mundo: sempre existem indeléveis conseqüências
advindas de nossos atos, ainda que sua baliza seja uma  forma  cuja estrutura tem que ser
universalmente válida.
Como os resultados de nossas ações não podiam permanecer indiferentes à nossa razão,
Kant precisava encontrar, seja na religião ou na história, na realização do homem ou da
humanidade, no outro ou nesse mundo, a conjugação de dois elementos: moralidade e felicidade.
Assim, para ele, a teleologia dos postulados representou a solução racional para a união de ambas;
mediante ela, o agir moral e o sumo bem  (ou seja, a conduta meritória aliada à esperança d a
felicidade)  tornaram -se compatíveis  justamente pela exigência  da  razão prática:  uma exata
proporcionalidade entre a ação e a esperança.    Ademais, do contrário, o acatamento do dever seria,
convenhamos, altamente desestimulante para a própria moralidade.  Por isso, boa parte do esforço
das reflexões expressas tanto na  Religião  quanto na  Idéia, como vimos, gira em torno da tentativa
do resgate da motivação subjetiva para o agir moral, este, fulcro do pensamento prático kantiano.
E é exatamente por isso, porque seria mesmo irracional aquela indiferença, que logo no
prólogo à primeira edição da  Religião  Kant, ressaltando o valor motivador da noção de fim último,
declara peremptoriamente que essa teleologia é o que garante realidade praticamente objetiva à
harmonia entre liberdade e natureza:
[...]  Não pode, pois, ser indiferente à moral que ela forme ou não para si o conceito de um
fim último de todas as coisas  [concordar a seu respeito não aumenta o número dos seu s
deveres, mas proporciona-lhes, no entanto, um particular ponto de referência da união de
todos os fins];  só assim se pode proporcionar realidade objetiva prática à combinação da
finalidade pela liberdade com a finalidade da natureza, combinação de que não podemos
prescindir [grifo meu].
35
Em suma, a  esperança  de alcançar o sumo bem, o ponto  de referência  que  reforça a
motivação do agir moral, é também o ponto em comum que torna possível  a compatibilização da
natureza com a liberdade. Ou seja, para Kant, não nos basta, inclusive mediante a razão, que exista
somente a realidade de um mundo em geral do qual façamos parte e do bem supremo moral, o
factum do dever, a primeira experiência de todo ser humano como um comando racional e não algo
que seja posteriormente explicável, que habita-nos, universal e primeiramente, desde sempre, e se
não o cumprimos, sentimos o peso da falha. Mas nos é imprescindível  poder  esperar que também
exista um mundo – futuro, no caso da história, escatológico em termos de religião  – onde imperaria
a moral e, em sua decorrência, a consecução da harmonia entre virtude e felicidade, isto é, o reino
35
KANT, A religião nos limites da simples razão, p. 13.
15
dos fins, o reino do sumo bem. Mais. Mesmo se não pudermos ser assim tão felizes, havemos de
querer para os outros, para o conjunto dos homens a felicidade, ainda que proporcionada  à medida
da virtude de cada um. E o que sustenta esse “otimismo” teleológico por parte de Kant é o fato de
que, embora provoquemos muito amiúde o mal ao próximo, pela própria mecânica da dialética
proposta naquela idéia de história, esse mal, ainda que rad ical, nunca apaga totalmente a disposição
para o bem que nos é essencial como seres livres e racionais.
Bibliografia
ARISTOTLE.  Nicomachean Ethics. Translated by H.  Rackham. Cambridge and London: Harvard
University Press, 2003.
KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70,
1992.
_______________.  Crítica da razão prática/Kritik der praktischen Vernuft. Ed. Bilíngüe. Trad.
Valério Rohden. São Paulo: Martins fontes, 2003.
_______________.  Crítica da razão  pura. Trad. Manuela p. dos Santos e Alexandre F.   Morujão.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 3ª ed., 1994.
_______________.  Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Trad.
Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra (org.). São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed., 2004.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Jesus era analfabeto?



ANALFABETO?


É muito provável que Jesus não soubesse ler. Em entrevista a VEJA.com, o historiador André Chevitarese afirmou que os analfabetos eram cerca de 95% da população da região onde vivia Jesus. Além disso, trechos bíblicos que relatam Jesus lendo ou escrevendo são alvo de discussão entre pesquisadores.

Fonte: http://www.msn.com/pt-br/noticias/fotos/11-coisas-que-a-ci%C3%AAncia-j%C3%A1-sabe-sobre-o-homem-chamado-jesus/ss-AA8Azz4?ocid=mailsignoutmd#image=6


Como era o rosto de Jesus Cristo?







FISIONOMIA

Richard Neave é um pesquisador britânico especializado em ciência forense. Com base em crânios do século I e softwares de modelagem 3D, ele reconstituiu o rosto de um adulto típico do tempo de Jesus. E o resultado foi um homem moreno e de cabelo curto, bem diferente das representações mais conhecidas de Jesus. 
Fonte: http://www.msn.com/pt-br/noticias/fotos/11-coisas-que-a-ci%C3%AAncia-j%C3%A1-sabe-sobre-o-homem-chamado-jesus/ss-AA8Azz4?ocid=mailsignoutmd#image=7

Qual era a verdadeira profissão de Jesus?












PEDREIRO Jesus pode ter trabalhado como... pedreiro. Quem afirma isso é o historiador John Crossan. "Em Marcos, o mais antigo dos Evangelhos, Jesus é chamado de tekton, que no grego do século 1 designava um trabalhador do tipo pedreiro, não necessariamente carpinteiro", afirmou ele em entrevista à Superinteressante.

Fonte:http://www.msn.com/pt-br/noticias/fotos/11-coisas-que-a-ci%C3%AAncia-j%C3%A1-sabe-sobre-o-homem-chamado-jesus/ss-AA8Azz4?ocid=mailsignoutmd#image=8