quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

UMA PANORMICA ENTRE A FILOSOFIA DA RELIGIO EM KANT E HEGEL: UM CONFRONTO ENTRE OS DOIS PARADIGMAS

UMA PANORMICA ENTRE A FILOSOFIA DA RELIGIO EM KANT E HEGEL: UM CONFRONTO ENTRE OS DOIS PARADIGMAS

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UMA PANORÂMICA ENTRE A FILOSOFIA DA RELIGIÃO EM KANT E HEGEL: UM CONFRONTO ENTRE OS DOIS PARADIGMAS

INTRODUÇÃO

Will Durant quando se refere à história do homem coloca-a nas duradouras contribuições dos gênios do pensamento para a soma da civilização e da cultura dos povos de toda a humanidade. E afinal o que será esta cultura procurada por tantos? _ Será educação, acúmulo de conhecimentos, embelezamento e/ou acessório da inteligência? - Cultura não é qualquer coisa que se deposita na “cabeça”, mas algo vivo, sem jactância, dinâmico. É, sobretudo “aplicação” dos conhecimentos no aprimoramento da sensibilidade, na procura em reduzir angústias da existência humana.

Penso que é também nessa direção que os grandes filósofos caminharam nas suas reflexões. Farei aqui uma exposição resumida das considerações filosóficas de Kant e de Hegel e tentarei estabelecer um paralelo entre as duas manifestações.

Considerando que todo o pensamento filosófico persegue a verdade, o objetivo não pode ser outro senão o da própria ciência, ou seja, o de oferecer uma representação da verdade dos fatos. Mas qual seria o critério para se estabelecer a verdade?

De acordo com Schlick “a verdade só pode consistir numa concordância das proposições entre si”. Esta é a tese da coerência da verdade designada na Inglaterra como “coherence theory of truth” mas é impossível logicamente tomar-se só este critério. À coerência deve ser somado um princípio segundo o qual esta coerência seria verificada. Diante disto esta tese está refutada.

Todos os filósofos procuram os fundamentos últimos da verdade e o máximo que atingiram foi “cogito ergo sum”. É difícil ter satisfação completa deste conhecimento somente através de uma ciência seja ela Filosofia ou Teologia. Elas devem atuar em complementaridade.

Por outro lado, teoricamente é possível imaginar uma situação na qual todas as afirmações de todos os outros homens a respeito do mundo não sejam confirmadas pelas minhas próprias observações. Poderia ser que todos os livros de determinado assunto que eu tivesse lido e todos os meus mestres concordassem inteiramente entre si, nunca se contradizendo e não obstante isso suas conclusões podem ser inconciliáveis com a minha maneira de percebê-las.

Quando um neófito estuda os mestres da filosofia a sua dificuldade é grande diante da complexidade das exposições conceituais e fazer um paralelo é ainda um desafio maior, mas tentarei, reconhecendo-me limitada, atender ao que é proposto neste trabalho.

CAPÍTULO I

PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO EM KANT

Emmanuel Kant nasceu em Koenigsberg, no dia 22 de abril de 1724, onde viveu a sua vida sem qualquer incidente espetacular. Era o quarto irmão mais velho de uma família pobre de onze filhos. Seus pais João Jorge Kant e Ana Regina Reuter, eram austeros, honestos e religiosos. Estudou no colégio Fridericianum e depois na universidade de

Kõenigsberg onde recebeu influência pietista do filósofo Martin Knutzen e discípulo de Cristiano Wolf a quem Hegel irá chamar de o instrutor da Alemanha.

Autor de extensa obra filosófica. Em 1793, porém com sua obra sobre a religião, Kant entrou em conflito com o novo rei da Prússia, Frederico Guilherme II. O Conselho de Censura impediu a publicação de três dos quatro artigos que compunham a obra. Então ele apelou para a Faculdade de Filosofia de Iena, que autorizou a publicação. Entretanto em 1794 um rescrito do imperador o censurou e exigiu dele um compromisso formal de não mais tratar de assuntos religiosos o que Kant fez. Mas após a morte de Frederico Guilherme II, considerando-se livre do juramento, voltou a escrever em “O conflito das faculdades ” sobre as relações entre a religião e a teologia bíblica.

Emmanuel Kant foi a grande figura do desenvolvimento idealístico, perfeito tipo do filósofo abstrato. Foi ele que melhor trabalhou para libertar o espírito da matéria; que mais efetivamente argumentou contra os usos da “razão pura”. O encargo de Kant era o de reabilitar a filosofia e de assumir uma defesa da razão contra os céticos,

essa espécie de nômade, que tem horror a toda fixação sólida no chão”. 1

Kant se propõe a atacar este problema pela raiz, questionando-se sobre as próprias possibilidades da razão. Um reencontro com o movimento socrático de retorno sobre si mesmo e a preocupação de conhecer as próprias forças. Trata-se de um exame crítico da razão, de discernir o que a razão é capaz de fazer e o que lhe é impossível atingir. A preocupação crítica consiste essencialmente em não se dizer mais do que se sabe. Portanto, é preciso buscar na própria razão as regras e os limites de sua atividade, a fim de saber até que ponto pode confiar na razão.

Durante o século XIX a influência de Kant aumentou. Tão vital foi a sua obra que em seus lineamentos gerais e em suas bases até hoje permanece e é ponto de referência e estudos onde quer que se fale em filosofia ou religião. Não admite que toda a realidade, toda a “matéria”, toda a “natureza” com suas “leis” sejam jamais conhecíveis pelo homem em sua totalidade.

Kant na Crítica da Razão Pura (1781) faz uma crítica séria a todas possíveis provas da existência de Deus por intermédio da razão especulativa. Segundo Kant o homem tem uma capacidade cognoscitiva insuficiente para demonstrar a existência de Deus e o componente moral do ser do homem é que vai lhe dar um recurso moral a favor desta existência. O argumento moral a favor da existência de Deus desenvolvido nas suas três obras: Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e da Faculdade do Juízo, tem como ponto de partida a questão do fim último do homem e por dedução a questão do sentido da lei moral. 2

Na teologia racional há uma tentativa no mais alto grau da razão de exigência da unificação e, de certa maneira, à passagem do uno ao único. A dinâmica seria das intuições aos conceitos, destes às idéias e das idéias aos ideais. O ideal é o ser individual conforme a idéia:

Assim como a idéia dá a regra, assim o ideal, em tal caso serve de protótipo para a determinação integral da cópia, e não temos outra medida para as nossas ações senão a conduta deste homem divino em nós, ao qual nos comparamos e segundo o qual nos julgamos e corrigimos, embora não possamos atingi-la jamais (B 597; TP 414).

É justamente a existência do ser supremo que a teologia racional intenta demonstrar. Podem ser reduzidas a três as provas: a prova físico-teleológica conclui da existência deste mundo para a existência de Deus; a prova cosmológica conclui de uma existência qualquer para a existência de Deus e a prova ontológica, abstração feita de toda experiência, e se chega à existência de Deus. É por esta última que Kant começa o seu estudo, pois em sua opinião, ela constitui o fundamento das duas outras.

O argumento ontológico é assim chamado porque pretende tirar a existência da essência: não posso pensar um ser supremo necessário sem pensá-lo ao mesmo tempo como existente, posto que um ser necessário seja por definição, um ser cuja não existência é impossível.

Kant faz sua reflexão teológica em cima do fato de que não se pode retirar o predicado e reter o sujeito, pois o resultado será uma contradição, se, porém suprimirmos ambos ao mesmo tempo tal contradição não se dará. Se conceber um Deus, seus predicados lhe pertencem necessariamente; mas se disser que Deus não existe, todos os seus predicados desaparecem. Assim seria necessário provar, pois, que não se pode não conceber a existência de Deus.

Dessa maneira, a teologia racional assenta totalmente no argumento ontológico, que pretende em vão demonstrar uma existência por meio de simples conceitos. Mas a atitude de Kant não é de um ateu que quer destruir toda argumentação a favor da existência de Deus ou construir um argumento sobre falsas bases facilmente destrutíveis. O intuito principal da Crítica é o de traçar os limites do conhecimento, e Deus transcende esses limites.

Isto, segundo Kant, nos permite entender que embora o espírito humano seja impelido de forma incoercível a representar-se um ser supremo ele, contudo, não pode demonstrar-lhe a existência.

Para Kant o sumo bem (das höchste Gut) é entendido como o vínculo entre a moralidade e a felicidade e seus componentes. A união entre a moralidade e a felicidade é uma exigência da própria razão; entretanto a experiência de vida mostra o quanto ela soa falso, pois “a natureza não se orienta segundo as intenções morais da vontade do homem”. 3 Assim a razão exige a realização do sumo bem, mas o homem devido sua natureza humana não consegue cumprir esta exigência.

No prólogo à primeira edição de A Religião nos Limites da Simples Razão (1973) Kant retoma o argumento a favor da existência de Deus a partir do conceito de sumo bem. Pela sua lógica se o homem é ateu é porque não está pensando corretamente.

Kant distingue bem as competências da teologia e das outras ciências e resguarda para o teólogo também a função especial de fazer incursões em outras áreas das ciências para que não caia em enganos que noutros tempos a teologia incorre. Para o eminente filósofo afirmações científicas são afirmações científicas. O material da Bíblia pode ser usado pelo teólogo nos seus estudos religiosos, mas não é para ser usado nas demais ciências.

Kant coloca bem a sua idéia de separar as ciências, a filosofia da teologia. Crendo ele que elas só terão efetivo desenvolvimento se assim se mantiverem. Assim, primeiramente, cada uma se constitui, só então podem se unir. Deste modo o teólogo bíblico pode estar ou não de acordo com o filósofo se o escutar, de outra forma se o boicotar ou ocultar as questões que ele lhe apresentar tomará frágil e duvidosa toda sua reflexão teológica em torno de determinada doutrina.

Na sua obra A Crítica da Razão Pura, Kant cita as fontes do conhecimento humano: sensibilidade e entendimento. Para ele pelas intuições tomamos conhecimento dos objetos, mas este conhecimento nada mais é que a nossa maneira de percebê-los. Pelo entendimento são produzidas as “representações”. 4 O entendimento é o legislador da natureza e só consegue exercer a sua função se instigado pela razão que nos leva às novas descobertas e assim ao progresso.

Para Kant as unidades incondicionadas para quais nos dirigem as três idéias da razão: a idéia da alma, a idéia de mundo e a idéia de Deus jamais conheceremos. Desse modo o uso transcendente da razão está fadado ao fracasso.

Contudo se não posso conhecer pela razão este fato não torna o “objeto” inexistente. Kant é enfático. Não se pode provar, por exemplo, que Deus não existe, porque o conhecimento só pode se exercer sobre fenômenos. Kant inaugurou uma “Moraltheologie” substituindo o antigo dilema “ou a filosofia ou a fé” por “e a filosofia e a fé”. Estabeleceu desta forma uma nova teologia exclusivamente fundada sobre a moral.

Segundo este filósofo, a revelação pode compreender em si, também a religião racional pura, mas esta não pode conter a primeira. Há duas esferas e a revelação é a maior das duas. A amplitude da filosofia é menor e é assim que o filósofo deve se ver, contido pela religião. Assim sendo uma harmonia entre as duas ciências pode existir garantindo-lhes uma coexistência pacífica.

Kant restringe a filosofia daí a sua afirmação “Arruinei o saber para abrir as portas da fé”. Para este pensador a ciência é relativa, mas com as afirmações da consciência, com a lei moral atingimos o absoluto. Este filósofo começa com a razão e percebe nela limites e ao ultrapassar estes limites deve vigiar-se com muita atenção, pois aponta para alguma coisa que a razão não consegue explicar.

Quando o teólogo prova a existência de Deus através da leitura da Bíblia ele o faz não com base na razão, mas com base na fé. Não se pode deixar que se contamine a teologia bíblica pura com os males advindos do espírito da liberdade da razão. Na medida em que se confundem os dois assuntos não será mais possível elaborar um conceito exato da especificidade de cada uma delas. O teólogo bíblico deve procurar nas suas reflexões uma abertura sobrenatural da compreensão por um Espírito que o conduza à verdade total e não imiscuir a razão de modo a se afastar da real idéia.

Kant conclui no seu estudo sobre as faculdades que os teólogos têm o dever e, portanto, a competência (a todo dever corresponde um direito; se devo, posso) de manter a fé bíblica sem violar a liberdade que os filósofos têm de submetê-la à crítica da razão.

No prefácio à primeira edição da Religião nos limites da simples razão, Kant afirma que a moral não precisa da religião. Mas existe uma relação muito estreita entre a moral e a religião. Reafirma que o ser moral não necessita de nenhuma finalidade. É a ética do dever por dever, pretensão kantiana, totalmente desinteressada, contra a denominada moral da recompensa na qual o dever é cumprido tendo em vista algum retorno, ainda que não material.

Portanto a moral não precisa se fundamentar na religião, mas basta-se a si mesma em virtude da razão pura prática. Todavia a religião pode ser uma referência necessária. O agir moral correto tem como referência necessária a religião, o bem supremo. Este bem supremo é o nexo entre a natureza do homem e a liberdade. A idéia de um bem supremo no mundo não é vazia. Ela deriva da moral e não é seu fundamento, mas é um fim, que ao ser sugerido já traz, implicitamente, princípios morais. Dessa forma a moral conduz necessariamente à religião

... pela qual se estende fora do homem, à idéia de um legislador moral generoso, cuja vontade é fim último (da criação e do mundo) o que ao mesmo tempo pode e deve ser o fim último do homem.5

Para ele não é preciso Deus para se fundamentar a moral. E mais a lei moral não teria sentido se o homem não fosse livre e é isso que se quer expressar com as palavras: deves logo podes. A liberdade é o agir em conformidade com a lei moral para Kant. É a ação segundo princípios internos e não por motivos externos. E é assim formulada a lei moral de Kant:

Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universa (p. 54; P 30).

Kant dá primazia à religião prática, legisladora suprema, à qual a própria religião deve subordinar-se. O homem encontra-se só, com a sua consciência, e não há favoritos no céu. Todos têm as mesmas condições e cada um opera a sua própria salvação. Kant sempre disse que “um pretenso saber” não pode deixar de ser prejudicial ao homem. Aos seus alunos ele escreveu em 1765:

Os alunos devem ir à escola, não para aprender os pensamentos, mas para aprender a pensar e a conduzir-se.

Com tal reflexão sobre o ato de educar Kant quis fazer da lucidez uma virtude e da recusa de enganar-se um meio de sabedoria.

CAPÍTULO II PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO EM HEGEL

A filosofia de Hegel é o ponto máximo do idealismo alemão. Hegel se propõe a exceder os sistemas de Fichte e Schelling. Em Fichte reprova o dualismo encontrado em suas reflexões e em Schelling critica o fato de ter ele feito do Absoluto, um abismo onde todas as diferenças desaparecem e de não ter concebido o Absoluto como “desenvolvimento de si”. Em Hegel o conceito fundamental da sua filosofia é a liberdade e o direito6.

Para Hegel não existe uma história da filosofia neutra, mas se a fizermos com a coragem da verdade e fé no poder do espírito é possível entrar na filosofia. E é pela história da filosofia que se é iniciado na filosofia. Hegel se propõe a estudar na sua história da filosofia o pensamento e suas características - atividade e liberdade- aqui com traços kantianos. O pensamento verdadeiro é imutável e produz efeitos.

Hegel considera íntima a relação da filosofia com a religião e também com as outras ciências. Quanto ao confronto da história da filosofia com a história da religião no que se relaciona ao conteúdo interno àquela não se atribui um conteúdo de verdade fixo e imutável desde o princípio como acontece com a religião e, portanto a religião está livre das contradições que ocorrem com a filosofia. Na filosofia existe uma dialética interna que vai se mostrar na contradição - se história é uma representação de uma série sucessiva de formas passadas de conhecimento a verdade não pode estar nessa sucessão porque ela é, simplesmente, não passa. A história interna abriga a verdade e a história externa contém as vicissitudes, os desejos do espírito.

Para Hegel a filosofia é a ciência objetiva da verdade onde não cabem as opiniões, pois é uma ciência do conhecimento através dos conceitos e não de opiniões ou deduções. Há uma oposição na filosofia de dois lados: de um lado o “pietismo declara” que não se pode conhecer a verdade e que se deve sobpor a razão à fé cega e autoritária. De outro lado a razão tenta tornar racional o cristianismo. Assim o homem não seria obrigado a aceitar o que sua razão rejeitasse.

Nesse sentido a convivência entre religião e filosofia não seria nada tranqüila. Para Hegel o conhecimento do infinito não é impossível como o é para Kant. Contudo não se chega à verdade por imediata percepção dos sentidos, mas através de um esforço de reflexão. O fato de haver uma diversidade de filosofias também não é para ele um obstáculo, pois a verdade é uma e elas têm em comum o fato de serem filosofias e, além disso, o erro pode possibilitar, posteriormente, uma aproximação à verdade.

Na sua reflexão o Absoluto é atividade e dela decorre o conteúdo. O Absoluto em Hegel é, ao mesmo tempo, o objeto e o sujeito da filosofia. Ele é o princípio infinito da realidade como também o é para Fichte e Schelling. O papel da filosofia, segundo Hegel, é levar o homem ao concreto e o concreto é a solução do sair de si e voltar a si. Desse modo a filosofia hegeliana é o espírito compreendendo a si mesmo. Neste raciocínio    Hegel questiona

o    fato,    para    ele impossível, de algo que tendo como sede a razão não    ser racional. E

acrescenta:

Deve existir já a fé racional de que o ocaso não rege os acontecimentos humanos; e a missão da filosofia consiste precisamente em reconhecer que,    muito embora as

suas manifestações específicas devam ser também história,    são, no entanto

determinadas só pela idéia. 7

Costuma-se dizer que Política e Religião influem na Filosofia e vice-versa, mas Hegel discorda de tal posição. Para ele a relação que há entre elas não nasce na influência nem no efeito de uma sobre outra. Hegel concorda com Aristóteles na assertiva o homem começa a filosofar depois de ter provido às necessidades da vida (Metafísica, 1, 2). Uma visão valorizada da filosofia. O homem começa a filosofar na angústia advinda do descrédito às formas antiquadas da religião, quando já não há prazer na vida real, e diante das experiências marginais e da aproximação da decadência e do final. A reconciliação, entre vocação natural e a realidade externa, a “pacificação” destas dissensões vai surgir no mundo do pensamento. Uma atitude que todos os filósofos da história da filosofia tomaram.

Com relação ao elemento da filosofia este como o das ciências é formado pelo conhecimento e pelo pensamento; mas os objetos das ciências são principalmente finitos e fenômenos. Junto a Espinosa, Hegel atenta para o fato de que embora a filosofia se ocupe de coisas finitas, estas devem ser consideradas como repousando na idéia divina; assim a filosofia e religião têm a mesma finalidade. O objeto da filosofia e da religião é a razão universal existente em si e por si.,e deste modo Hegel vê na religião o início da história da filosofia uma vez que as manifestações religiosas surgiram bem antes das filosóficas.

Os povos mostravam nas religiões a sua maneira de reproduzir a essência do mundo, o princípio da natureza e do espírito, o modo como se relacionavam com o outro que está muito além deles mais ou menos compadecido ou aterrador. Com o culto eles destruíam esta oposição e se conciliavam com Deus.

Para Hegel “a religião deve ser considerada do mesmo modo que a filosofia e avaliada racionalmente como produto da razão que se patenteia a si mesma e dela é o mais elevado e mais racional conteúdo”. 8 Há uma íntima relação da filosofia com a religião. Em Hegel a filosofia se apóia nas mesmas bases da religião, o objeto de ambas é idêntico, é a razão universal existente em si e por si. Na religião pode-se encontrar uma filosofia definida.

Importante observar que apesar da afinidade visível entre religião e filosofia, Hegel aponta a manifesta intolerância desta por aquela. Parece-lhe que a religião quer que o homem se abstenha da filosofia e de pensar nos “objetos universais”, pois se reduzem à sabedoria humana e são obras humanas e como tais se colocam contra a obra divina. Esta depreciação do humano é uma injustiça que se faz à razão. Se a obra da natureza é divina muito mais o será a obra do homem que foi criado à imagem de Deus e cuja superioridade sobre os animais e vegetais é implícita e explicitamente admitida.

Na verdadeira religião se desvela o espírito absoluto que se torna evidente na consciência daquilo que é finito. A religião entra na esfera da subjetividade, na região de ordens finitas de representações, mas enquanto principal e imediata revelação de Deus não é a exclusiva via de divulgação de Deus aos homens, mas se revela dessa forma, pois é a única compreensível à consciência religiosa.

A verdade que chega até ao homem pela religião é exterior ao homem e ele deve se contentar com isto uma vez que sua compreensão é limitada e sua razão humana não a atinge, é assim que a religião se posiciona. Há, muitas vezes, um mediador, que não é o conteúdo da doutrina, que anuncia esta verdade que chega a ele sob a forma de objeto sensível e presente. Ratificando, Hegel diz a religião cristã apresenta a característica peculiar da pessoa de Cristo, no seu caráter de Filho de Deus, participar da natureza de Deus.

Quanto à filosofia Hegel se refere a ela como conhecedora da essência e o ponto determinante é que a essência não é exterior àquilo de que é essência. A essência do meu espírito é meu próprio espírito, não alguma coisa fora dele. 9

Hegel assim percebe a filosofia, primeiramente, ligada e isolada no campo do paganismo grego; depois com propriedade se desliga da religião popular e avoca uma hostilidade contra ela; e por fim acerta-lhe o âmago e nela se reconhece. A religião e a filosofia têm segundo Hegel, o conteúdo comum.

Para Hegel não há mistério que não possa ser racionalizado. O mistério o é para o intelecto e não para a razão. A filosofia opõe-se, contrariamente, ao chamado racionalismo da nova teologia. Quando o intelecto se presume mestre sem entender a verdade religiosa, desvia-se da meta. O racionalismo se coloca contra a filosofia no conteúdo não menos que na forma. Reduziu “a realidade total a relações finitas; e quanto à forma reduziu-a a um processo raciocinante não livre, e incapaz de conceber”. 10

Na opinião de Hegel a religião tem em comum com a filosofia “o substancial, o conteúdo”, e este conteúdo não é o terreno mas o infinito. Este infinito para ele aparece primeiramente na religião. Dessa maneira a religião precede a filosofia temporalmente. Mesmo tendo ambas, supostamente, o mesmo conteúdo, Hegel privilegia o conhecimento filosófico. Assegura que somente este alcança efetivamente o real significado das idéias do infinito. Segundo Hegel a religião faz uma “representação” do conteúdo universal. Isto significa que a religião não consegue congraçar, realmente, o espírito finito e o infinito.

Hegel sobre a religião e filosofia faz a diferenciação. A filosofia tem a vantagem de compreender a religião e assim compreender também o racionalismo, não menos que o sobrenaturalismo; e além disso, compreende-se a si mesma. Isto não acontece com a religião, a qual permanecendo no horizonte da representação, compreende só o que dentro deste horizonte se encontra, e não a filosofia, o conceito, o pensamento universal. 11

Para Hegel a filosofia precisa da religião, mas a religião dela não necessita. A religião já está aí dada, existe. Não é algo que depende de nossa vontade ter ou não tem. Sua filosofia consegue dar conta da religião, vai compreendê-la, provavelmente, melhor que a própria religião se compreende. A filosofia não existe para tornar o homem religioso, embora isto possa acontecer. A filosofia não tem sentido edificante como o tem para Kierkegaard. Para o eminente filósofo seu objetivo no campo religioso é mostrar a verdade da religião. A filosofia é uma espécie de justificativa para a religião.

Essencialmente a concepção filosófica de Hegel é muito difícil e extremamente complicada. Sua forma particular de idealismo não implicava numa descrença da existência de objetos materiais. Ao mesmo tempo, ele assegurava que somente o Absoluto era inteiramente real e suas partes aparentemente distintas detinham realidade unicamente por serem parte de um todo. Sustentava que a filosofia, a religião e a arte eram meios de se conhecer o

Absoluto, mas dava à filosofia o status de ser a forma superior de compreensão acima da religião e da arte.

O pensamento hegeliano fez época e dominou a vida filosófica até meados do século dezenove e a partir daí teve várias interpretações, contudo sem deixar de ser considerado um dos grandes pensadores da humanidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se consegue ler Kant sem se dar conta da extraordinária força de seu pensamento o mesmo ocorrendo com Hegel e, por conseguinte, da inevitável insuficiência dos resumos, mas neste relato tentei colocar as principais idéias sobre a filosofia e religião destes grandes pensadores. Nestas considerações me proponho um paralelo entre os dois paradigmas filosofia e teologia.

A filosofia kantiana pode ser considerada mais determinante por ter concebido o espírito como Consciência e por conter somente determinações da fenomenologia, e não da filosofia do espírito. Considera o eu como em relação com algo que está além. Reinhold a interpreta como teoria da Consciência sob o nome de faculdade representativa. Já Hegel quer dizer que a noção de consciência implica a relação da Consciência com um objeto que não é Consciência, mas alguma outra coisa; e que a noção de conceito ou de espírito elimina esta alteridade. Diversamente de Kant, Hegel entende que espírito ou conceito é uma Autoconsciência infinita, um Princípio absoluto que se autocria e assim cria a própria realidade em sua totalidade. Para Kant a relação se estabelece entre o eu e algo diferente do eu.

Segundo Kant é a limitação humana que faz o homem procurar para todas as suas ações uma finalidade e o que deve regular a ação humana não é nenhuma finalidade, mas a idéia do Bem Supremo.

Assim, interpretando Kant, fica muito claro a sua idéia - a Religião não pode ir de encontro à razão mas também a razão não pode pesquisar doutrinas religiosas. O conhecimento total do mundo é descartado por Kant. Kant não é um revolucionário ele é um reformista, julga que dogmas e doutrinas podem ser reformados pela Razão e que se deve ter liberdade, é claro dentro dos seus princípios morais, para crescer em conhecimento. Considera que a religião estatutária é veículo para a religião da razão. Mesmo as digressões fornecem implementos para o desenvolvimento das doutrinas como foi o caso das heresias. Através de sua refutação cresceu o entendimento sobre a doutrina cristã. Kant interpreta a Graça e o Batismo filosoficamente sem desmerecer a doutrina de ambos.

Hegel tem uma visão limitada da teologia. Para ele a religião fica presa à representação. Vê a passagem de Deus na terra como metáfora. Para este pensador temos que ver o mundo como ele é e não como parece ser.

Diferentemente de Kant, Hegel faz uma separação hermenêutica entre entendimento e razão. O entendimento no campo do finito, com capacidade inferior à da razão que pode captar o infinito. Através da razão o homem consegue captar Deus. No idealismo de Hegel, o mundo para ser mundo necessita do espírito que o vê como mundo. Tudo o que existe existe para o Sujeito (a comunidade). Pensar Deus sem a sua comunidade é o abstrato. A permanência do finito é indispensável para a existência do infinito. Para Hegel é impossível falar de Deus e não falar de religião e vice-versa.

A proposta de Hegel não é fazer Teologia filosófica e estudar Deus em si mesmo como os teístas ingleses do século XVII faziam. Sua proposta é descobrir o que há de verdade nos dogmas, nas supertições e não entender a religião apenas como uma produção humana. Para Hegel, na religião não só sabemos algo a respeito de Deus, mas também Deus fica sabendo algo a respeito de si mesmo.

Entretanto, para Kant haverá sempre o dualismo entre a razão e a religião. A nossa razão é limitada porque humana e a religião- revelação -está numa esfera mais ampla, como que em um círculo externo que envolve ou não a razão num círculo menor, interno e que podem existir separadamente. Para ele estes círculos podem existir separadamente, não têm o mesmo eixo fixando-os e fazendo com que só tenham existência juntos.

No que diz respeito à compreensão da totalidade Hegel e Kant estão em lados opostos. Para Hegel a Razão tem que dar conta do conhecimento do mundo em sua totalidade e para Kant este conhecimento total é descartado como uma impossibilidade humana. Quer fazer uma superação do conhecimento bíblico, uma Teologia filosófica.

Sabe-se ser uma exigência da modernidade a legitimação de tudo pela Razão inclusive a Religião, o que para Kant não é aceitável, pois como já disse à razão não compete “diligenciar” a religião. Já Hegel tenta fazer isto e na opinião de muitos teólogos nesta tentativa ele, de um lado legitima e de outro questiona a Teologia Bíblica.

Observa-se que o referencial para Kant é o iluminismo. Para este Filosofia e Teologia podem conviver, tranqüilamente, sem contradições visão esta diferente da percepção de Hegel que não vê assim a coexistências das duas ciências. Entende-se que o filósofo chega ao mesmo conteúdo do teólogo. Aquele pela via da razão e este através da revelação, enveredam caminhos diversos, mas confluentes.

A religião revelada está aí, não é uma abstração, existe concretamente. A filosofia vai dizer que há nela uma razão de ser que pode ser explicada pela razão e que os teólogos chegaram a ela por outro caminho.

Segundo Hegel a filosofia apóia-se nas mesmas bases da religião, enquanto o objeto de ambas é idêntico, isto é, a razão universal existente em si e por si. O espírito quer fazer seu este objeto, como precisamente faz a religião por meio do rito e do culto. Hegel se entende como aquele que vai resgatar a verdade, tirá-la do subjetivismo no qual foi jogada por tantos que não souberam ou não puderam ser tão objetivos quanto deveriam ter sido. É um filósofo anti-subjetivo.

Diferentemente de Kant, Hegel na sua filosofia afirma ser ela capaz de oferecer o conceito como uma norma capaz de ser superior à religião, facultando algo de melhor. Para Hegel é na filosofia, que se forma o espaço, mais que na religião ou na arte, no qual o Absoluto atinge a completa transparência e pela qual a reconciliação do sujeito independente e a natureza, a sociedade e Deus é afinal obtido. Para Kant isto é uma impossibilidade do homem, exatamente, por sua limitação humana.

Em Hegel é possível uma “coexistência pacífica entre a religião e filosofia”. Isto, contudo, não significa que ele retira a necessidade da existência da religião porque ela não consegue explicar o Absoluto em termos aceitáveis racionalmente. Papel que ele idealizou para a filosofia cumprir, talvez num entusiasmo aumentado pelas circunstâncias da sua época.

Hegel e Kant deram grande contribuição à apologética contemporânea. G. W. F. Hegel com suas reflexões forneceu o suporte para a abordagem universal-histórica de Wolfhart Pannenberg. O tomismo transcendental dos pensadores católicos romanos, especialmente, Rahner e Lonergan utilizou a filosofia crítica de Kant e a antropologia existencialista de Heidegger como ponte para voltar à meta física aristotélica de Tomás de Aquino.

BIBLIOGRAFIA

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BONACINI, Juan A. Kant e o Problema da coisa em si no idealismo alemão. Rio de Janeiro. Relume-Dumará. 2003.

COLLINSON, Diané. 50 Grandes Filósofos: Da Grécia antiga ao século XX. Contexto. São Paulo. 2004.

DREHER, Luis H. Hegel e a Crítica da Representação Religiosa na Fenomenologia do Espírito. Numen. Juiz de Fora, v. 1, n1.1998.

DURANT, Will. Os grandes pensadores. Companhia Editora Nacional. São Paulo. 1965 PASCAL, George. O Pensamento de Kant. Vozes. Petrópolis. 1992.

KANT, Emmanuel. A Religião nos Limites da Simples Razão. Lisboa. Edições 70, 1992. _O Conflito das Faculdades. Lisboa. Edições 70. 1993.

_Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros escritos. Martin

Claret. São Paulo. 2004.

1

   -KANT, Emmanuel. A crítica da razão pura, A IX; TP 6.

2

   - ARAUJO, Paulo Afonso. Ética e Filosofia política. Juiz de Fora. 1997. V.2. n. 2 . p. 71.

3

- Idem.p.73

4

- Representação , para Kant deu um significado muito geral para este termo, considerando-o gênero de todos os atos ou manifestações cognitivas, independentemente de sua natureza de quadro ou semelhança.

5

   -KANT, Emmanuel. A Religião nos Limites da Simples Razão. Lisboa. 1992, p.14.

6

   - Entende Hegel por direito o conjunto de normas, de leis e por ser abstrato tem que ser completado com a moralidade. Na opinião de Hegel é à sociedade e à razão que na moral se torna exterior é que se deve buscar as regras de conduta e não à subjetividade..

7

-Aqui Hegel se refere à história da filosofia como ciência e não como um amontoado de fatos, mas uma sucessão de fenômenos que se organizaram por meio da razão e cujo conteúdo é a razão e aquilo que a revela. Mostra que os acontecimentos que assinala estão na razão.

8

   -A mesma tese de Voltaire. É de fato absurda, segundo Hegel, a hipótese de terem os sacerdotes inventado uma religião, enganado os povos por interesse próprios. Houve abusos mas a religião, no seu caráter distintivo, mantém fortemente apoiados os mais altos valores em contraste aos fins temporais e sobre aqueles edifica uma religião sublime.

9

   -HEGEL, Introdução à História da Filosofia in: Os Pensadores . Hegel. V. 2. São Paulo. Nova Cultural, 1989. p. 134.

10

   -Idem p. 136

11

   -Ibidem. P.138

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