KANT E DARWIN SOBRE A NOÇÃO DE TELEOLOGIA EM BIOLOGIA: DA AUTONOMIA NA CONSIDERAÇÃO DO ORGANISMO À AUTONOMIA NA CONSIDERAÇÃO DAS POPULAÇÕES
Adriano Perin Universidade Federal de Santa Catarina
Resumo: Este artigo apresenta a contribuição de dois autores clássicos no que concerne à fundamentação filosófica da biologia. Argumenta-se que esta fundamentação reside essencialmente na legitimação de duas noções de teleologia que permitem pensar a biologia contemporânea enquanto dotada de dois domínios auto-suficientes de investigação, a saber, a biologia funcional e a biologia evolutiva. Sustenta-se inicialmente que, frente a duas posições igualmente vistas como inapropriadas, isto é, a explicação mecanicista e a teologia natural, Immanuel Kant é o precursor da legitimação da noção de teleologia na consideração do organismo individual. Num segundo momento sustenta-se ainda que Charles Darwin institui a legitimação de uma noção de teleologia que permite pensar a autonomia da biologia enquanto ciência em termos populacionais.
Palavras-Chave: I. Kant, C. Darwin, teleologia, biologia funcional, biologia evolucionária.
FUNDAMENTO V. 1, N. 1 - SET.-DEZ. 2010
Abstract: This paper presents the contributions of two classical authors to the philosophical foundation of biology. The paper will argue that such a foundation is essentially grounded upon the justification of two notions of teleology, which assure the establishment of contemporary biology as endowed with two selfsufficient domains of investigation, namely, functional and evolutionary biology. Initially, it is sustained that, in face of two positions both seen as inaccurate, i.e., mechanic explanation and natural theology, Immanuel Kant is the first to present the justification of a notion of teleology in the consideration of the individual organism. Secondly, it is sustained that Charles Darwin institutes the justification of a notion of teleology which assures the autonomy of biology as a science in what matters to the consideration of populations.
Key-Words: I. Kant, C. Darwin, teleology, functional biology, evolutionary biology.
A principal tarefa a ser desempenhada por uma filosofia da biologia consiste na garantia da autonomia da biologia enquanto ciência sem que, para isso, seja necessário recorrer às leis gerais da natureza fisicamente explicadas ou a uma visão criacionista como
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elementos de fundamentação. Para tal, exclui-se de princípio qualquer percurso de cunho mecanicista, vitalista ou mesmo teológico. Neste empreendimento, o problema seminal a ser encarado é como legitimar a biologia sem poder contar com leis, quer físicas quer ditadas por um artífice supremo. No presente trabalho, tendo em conta esta especificidade da biologia, argumenta-se que é possível encontrar na noção de teleologia um elemento chave para compreender não apenas a caracterização das investigações acerca dos seres auto-organizados antes da teoria da seleção natural de Charles Darwin, mas também - e precisamente - a estrutura da biologia contemporânea enquanto dividida em dois domínios de investigação auto-suficientes, i.e., a biologia funcional e a biologia evolutiva.
Considerando que essa proposta de uma análise sistemática da biologia contemporânea em dois domínios de investigação irredutíveis compreende também a necessidade de se pensar dois modos de teleologia distintos que atuam em cada um deles, o trabalho é desenvolvido em duas seções. A primeira seção pondera o “nascimento” da noção de teleologia antes de Darwin. Quanto a este ponto argumenta-se que, entre as propostas igualmente vistas como inapropriadas do ponto de vista da garantia da autonomia da biologia contemporânea, - a saber, a explicação mecanicista e a teologia natural - a consideração kantiana da teleologia apresenta uma importante contribuição para um dos modos de teleologia admitidos
atualmente. Ou seja, argumenta-se que a proposta kantiana já leva em
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conta que para a consideração da estrutura do organismo individual é necessário legitimar uma noção de teleologia que, justamente por não ser uma lei, não pode ser “retirada” da física ou da teologia. As informações histórias de Mayr acerca das concepções dos “cientistas físicos” e dos “teólogos naturais” nos séculos XVII e XVIII foram de suma importância para esta parte do trabalho. Contudo, a própria argumentação da primeira seção objetiva mostrar que a opinião de Mayr - expressa particularmente no seu livro What Makes Biology Unique? - de que a consideração kantiana da teleologia “foi um completo desastre” (Mayr, jul. 2004) não parece fazer jus à argumentação de Kant. A segunda seção do trabalho pretende mostrar que, se Kant já teria reconhecido a autonomia da biologia no nível do organismo individual, foi apenas a partir de Darwin que esta autonomia poderia ser pensada em termos populacionais. É nesta última seção que se apresenta a distinção entre a biologia funcional e a biologia evolutiva em relação aos conceitos básicos, à questão a ser respondida, e ao método de investigação peculiares de cada um destes domínios. Argumenta-se que a auto-suficiência dos mesmos domínios se deve essencialmente à compreensão de que na biologia funcional a noção de teleologia atuante é a teleologia intra-orgânica, a qual é “necessária ou específica”, enquanto que a biologia evolutiva é regida pela teleologia da adaptação, que é “indeterminada ou inespecífica”.
i - Entre a explicação mecanicista e a teologia natural: a
contribuição kantiana para a noção de teleologia em biologia
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No final do século XVII e durante o século XVIII a consideração dos fenômenos biológicos era basicamente justificada de dois modos: (i) mediante a compreensão de que os mesmos deveriam ser explicados mecanicamente da mesma forma que os fenômenos físicos, sendo que a recorrência a um ser supra-natural serviria apenas como um elemento último de fundamentação; (ii) mediante a compreensão de que tais fenômenos deveriam sim ser explicados de modo diferente dos fenômenos físicos, sendo, contudo, isso possível por meio de uma recorrência imediata à teologia natural.
O exemplo sui generis da concepção mecanicista dos fenômenos biológicos é apresentado na discussão cartesiana sobre o corpo humano. Para Descartes, tudo que se passa no corpo somente pode ser conhecido mediante uma explicação na qual os objetos são a extensão, a figura e o movimento. Essa concepção aparece claramente no Tratado do Homem:
Desejo, digo, que considereis todas estas funções somente como conseqüência natural da disposição dos órgãos nesta máquina, do mesmo modo que ocorre com os movimentos de um relógio ou de um outro autômato, pois tudo acontece em virtude da disposição de seus contrapesos e das suas rodas. De sorte que não devemos considerar nesta máquina nenhuma alma vegetativa, nem sensitiva e nenhum outro princípio de movimento e de vida, além do sangue e de seus espíritos que são agitados pelo calor do fogo que arde FUNDAMENTO V. 1, N. 1 - SET.-DEZ. 2010 continuamente no coração e cuja natureza não difere dos outros fogos que se encontram nos corpos inanimados (Descartes,1973,p. 202).
Ora, este trecho deixa claro que Descartes só concebe a possibilidade de explicação das funções do corpo humano na medida em que estas funções são equiparadas ao funciona-mento das peças em uma máquina. Isso quer dizer que, ao ver de Descartes, mesmo um elemento a primeira vista tão orgânico como a circulação do sangue no corpo humano pode e deve ser explicado apenas mecanicamente: o princípio que rege a circulação do sangue é o mesmo princípio que rege o movimento de qualquer peça em um corpo inanimado. Por mais imprópria que uma explicação de tal caráter pudesse ser para os fenômenos biológicos ela era vista como a única que poderia ser cunhada no domínio da ciência. Nesse sentido, pode-se citar o exemplo de que nos séculos XVII e XVIII a fricção do sangue nos vasos sanguíneos foi aceita por mais de 150 anos como justificativa do sangue quente dos mamíferos e pássaros (Cf. Mayr, 1998a, p. 119).
Descartes pode ser visto como o precursor de uma tradição que concebia a explicação dos fenômenos biológicos como redutível a uma explicação mecânica dos fenômenos físicos. Como o trecho supracitado traz claramente presente, nessa tradição era quase unânime a comparação de um corpo orgânico ou animado com um relógio, de modo que qualquer função daquele poderia ser justificada do mesmo modo que são explicados os movimentos deste, a saber, FUNDAMENTO V. 1, N. 1 - SET.-DEZ. 2010 mediante os princípios da mecânica. Como nota Mclaughlin (2001, p. 21): “Os primeiros cientistas e filósofos modernos frequentemente falam do mundo como a machina mundi, e dificilmente alguém que era alguém entre Descartes e Kant negou a comparação do sistema do mundo com um relógio”. Essa tradição tem seu ápice com o estabelecimento das leis da física por Newton e foi proclamada no pensamento dos seus seguidores. Os Principia de Newton compreendem precisamente a proposta de “uma mecanização de todo o mundo inanimado em base matemática” (Mayr, 1998a, p. 118).
O que é comum de toda essa escola de pensamento - desde Descartes até Leibniz - que defendia uma visão mecanicista da natureza na qual os fenômenos biológicos só eram vistos como passíveis da mesma explicação que era atribuída aos fenômenos físicos, era que todos estes “cientistas físicos viam em Deus o poder que, no momento da criação, instituiu as leis que governam os processos deste mundo” (Mayr, 1998a, p. 127). O problema dessa visão mecanicista do mundo é de que, para considerar as posições de Newton e Leibniz, tanto um ato de criação constante como um ato de criação instituído mediante uma harmonia pré-estabelecida deixa como dilema os detalhes da vida de cada indivíduo ou organismo criado. Como nota Mayr (1998a, p. 66):
[A] aparente finalidade do universo, os processos orientados para um objetivo, no desenvolvimento dos indivíduos, bem como a adaptação dos órgãos eram algo por demais evidente para ser ignorado pelos mecanicistas. Como poderia um mecanismo ser dotado de todas essas propriedades, como FUNDAMENTO V. 1, N. 1 - SET.-DEZ. 2010 puro resultado de leis, sem o concurso de causas finais? Talvez ninguém mais do que Kant tinha uma consciência aguda desse dilema.
E, de fato, a “Dialética da faculdade do juízo teleológico” da Crítica da Faculdade do Juízo tem como intenção primeira reconciliar a concepção teleológica dos organismos expressa na “Analítica da faculdade do juízo teleológica” da mesma obra com a consideração mecanicista da natureza defendida por Kant nas suas obras anteriores. Contudo, para averiguar a especificidade da contribuição desta proposta para a noção de teleologia em biologia bem como pontuar as suas diferenças em relação ao desenvolvimento da noção de teleologia na estrutura contemporânea da biologia (sendo este último ponto o propósito da próxima seção), é pertinente considerar rapidamente ainda um modo de explicação dos fenômenos biológicos alternativo à redução dos mesmos aos fenômenos físicos, mas que também seria justificado mediante visão teológica do mundo, a saber, a teologia natural.
A teologia natural tem como um dos seus principais representantes no início do século XVIII Christian Wolff, que foi o primeiro pensador a fazer uso do termo “teleologia”. Nas palavras de Wolff: “Além destas ciências [que integram a física] há também outra parte da filosofia natural que explica a finalidade das coisas. Não há nome para esta disciplina, apesar de ser muito importante e mais do que útil. Ela poderia ser chamada teleologia”. (Wolff, 1963, p. 44). Wolff introduziu o termo “teleologia” na linguagem filosófica para FUNDAMENTO V. 1, N. 1 - SET.-DEZ. 2010
denotar “o estudo das intenções de Deus ao criar o mundo e as diversas coisas nele. Isso é precisamente o tipo de coisa que Descartes e os outros heróis da Revolução Científica baniram da ciência e da sua filosofia” (Mclaughlin, 2001, p.16). Carregada desse sentido
proeminentemente teológico a noção de “teleologia” nasce com o objetivo de “mostrar como Deus é conhecido a partir das coisas naturais”. (Wolff, 1963, p.51). Quer dizer, “[a] teleologia confirma o conhecimento de Deus que é estabelecido na teologia natural”. (Wolff, p.51).
Ao cunhar a noção de teleologia no sentido referido Wolff objetiva garantir que os fenômenos biológicos devem ser explicados de forma diferente dos fenômenos físicos. E isso porque “[a] física demonstra a causa eficiente das coisas naturais, enquanto que a teleologia demonstra as suas causas finais”. (Wolff, 1963, p.51). A possibilidade da última demonstração, segundo Wolff, se deve ao reconhecimento direto da figura do criador nos organismos criados. Com isso, Wolff se distancia bastante de Leibniz por conceber que os fenômenos biológicos não mais deveriam ser apenas compreendidos como incluídos no grupo dos fenômenos regidos pelas leis gerais da natureza, que em última instância são fundamentadas mediante recorrência a um artífice supremo, mas sim que a sua justificação consiste na descrição individual e imediata da sua criação pelo mesmo artífice.
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Buffon e Lineu, não obstante consideráveis diferenças de pensamento, foram adeptos da explicação dos fenômenos biológicos a partir da teologia natural. A principal intenção destes autores foi precisamente garantir a autonomia dessa explicação em relação a uma explicação mecanicista. É assim que Buffon concebe que “alguns temas são excessivamente complicados para um uso aproveitável da matemática, colocando entre eles todas as partes da história natural” (Mayr, 1998a, p. 58). Do mesmo modo, Lineu empreende seus trabalhos de classificação botânica e zoológica pautado não por princípios gerais da mecânica, mas sim por princípios fisiológicos de ordem prática (Cf. Mayr, 1998a, p. 210).
Ora, se Buffon e Lineu diferem consideravelmente pelo fato do primeiro estar preocupado com a compreensão da diversidade natural e o segundo com o estabelecimento de um procedimento taxonômico que favorece a identificação dessa diversidade, é de se notar que estes autores concordam no fato de que o único modo de escapar do reducionismo da explicação biológica em relação a uma explicação mecanicista da referida diversidade é descrever a mesma como produto imediato da criação de um artífice supremo. Em uma palavra, se os cientistas físicos recorriam a Deus como o elemento último de fundamentação das leis que governam o mundo explicado mecanicamente, “[e]m contraste, os naturalistas devotos, que estudavam a natureza viva, concluíam que as leis básicas de Galileu e
Newton eram desprovidas de sentido quando relacionada à
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diversidade e à adaptação do mundo vivo. Mais do que isso, eles viam a mão de Deus mesmo nos mais insignificantes aspectos da adaptação e da diversidade” (Mayr, 1998a, p. 127).
Em 1763 Kant publica um escrito intitulado O único argumento possível em suporte a uma demonstração da existência de Deus . Nesse texto pré-crítico já se encontra colocado o problema antinômico fundamental da “Dialética da faculdade do juízo teleológico” da Crítica da faculdade do juízo de 1790: Como reconciliar as exigências aparentemente conflitantes entre uma consideração mecanicista e uma consideração teleológica dos seres vivos? Ou, como estabelecer uma consideração teleológica não contraditória com uma consideração mecanicista? Ora, se o problema é o mesmo daquele a ser amplamente abordado na terceira Crítica, a solução de Kant no referido texto de fato não seria a mesma. É assim que Kant em 1763, do mesmo modo que Buffon e Lineu, vê na combinação aparentemente contingente das partes dos organismos vivos não uma submissão destes às leis universais e necessárias da natureza, mas sim uma prova imediata da sua criação por um artífice supremo:
Considere o exemplo da estrutura de um animal. Os seus órgãos da percepção sensível são conectados com os órgãos do movimento voluntário e da vida, e conectados de um modo tão genioso que a partir do momento que a atenção de alguém se voltar para ele só com uma disposição mal intencionada [boshalft] (para a FUNDAMENTO V. 1, N. 1 - SET.-DEZ. 2010 qual ninguém poderia ser tão irracional) para não reconhecer a existência de um Sábio Autor, o qual tem ordenado tão excelentemente a matéria da qual o animal é constituído (KANT, 1928, p.125).
E qual seria a alternativa restante para a consideração dos fenômenos biológicos no século XVIII? Como explicar estes fenômenos de um modo não mecanicista sem recorrer à “mão imediata” de um artífice supremo? Este parece ser o problema fundamental da justificação da biologia enquanto ciência. Cabe como propósito do final desta seção mostrar que o próprio Kant na terceira Crítica da um passo importante em relação a esta justificação.
A obra Crítica da faculdade do juízo de Kant deixa-se ler como uma investigação das condições de possibilidade da biologia, embora de modo algum se reduza a isto. Quanto a esse ponto Kant concebe que o que deve ser fundamentalmente respondido é “que lugar cabe à teleologia? Será que pertence à (propriamente assim designada) ciência da natureza ou à teologia?” (Kant, 1995b, p. 257). A resposta de Kant para a segunda pergunta é incisiva: “Que ela não pertence à teologia como uma parte da mesma, ainda que naquela possa ser feito o mais importante uso da teleologia, está claro [porque] a teleologia tem como seu objeto produtos da natureza”. Do mesmo modo, “tampouco ela parece pertencer também à ciência da natureza, a qual exige princípios determinantes e não simplesmente reflexivos para FUNDAMENTO V. 1, N. 1 - SET.-DEZ. 2010 indicar fundamentos objetivos de efeitos da natureza” (Kant, 1995b, pp. 257-258). E é na segunda parte dessa resposta que se encontra também a resposta para a primeira questão, a qual objetiva definir propriamente um lugar para a teleologia na consideração dos fenômenos biológicos que não seja nem a consideração mecânica da ciência da natureza (física) e nem também a consideração criacionista da teologia natural.
O lugar que cabe à teleologia na consideração dos fenômenos biológicos se deve, segundo Kant, à própria consideração da especificidade destes fenômenos. Kant garante que na consideração de fenômenos físicos são sempre dadas as categorias a priori que regem a sua determinação e que são estabelecidas como leis das quais o cientista deve partir para compreender a mesma determinação. Na consideração dos fenômenos biológicos tais leis não garantem a compreensão da sua organização. Se no primeiro caso são sempre dados conceitos universais que podem ser subsumidos a casos particulares, no caso de um ser auto-organizado não se pode partir de um conceito geral para a sua determinação. Ou seja, “existem tantas formas múltiplas da natureza, como se fossem tantas modificações dos conceitos da natureza universais e transcendentais, que serão deixadas indeterminadas por aquelas leis dadas a priori pelo entendimento puro” (Kant, 1995b, pp. 23-24). A compreensão desta “multiplicidade” só seria possível mediante um princípio que é “objetivamente
contingente” do ponto de vista de qualquer consideração mecanicista
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da natureza, mas que é “subjetivamente necessário” do ponto de vista da garantia da diversidade e da estrutura dos organismos vivos (Kant, 1995a, p. 81). Este princípio é a “conformidade a fins da natureza” e, enquanto um princípio da faculdade do juízo reflexionante, não é “retirado” constitutivamente de outro lugar (como da teologia ou da física) e nem também “prescreve” constitutivamente uma determinação à natureza, mas serve somente para que se possa compreender a sua diversidade orgânica, a qual não poderia ser considerada quer por um viés mecanicista quer por um viés criacionista (Kant, 1995b, p.24):
Assim, por exemplo, ao se dizer que a lente cristalina, no olho, tem o fim de, por uma segunda refração dos raios luminosos, efetuar novamente a unificação daqueles que emanam de um ponto,
em um ponto sobre a retina do olho, é dito apenas que a representação de um fim na causalidade da natureza ao produzir o olho é pensada, porque tal idéia serve de princípio para com isso guiar a investigação do olho, no que diz respeito à parte citada do mesmo, assim como, igualmente, pelos meios que se poderiam cogitar para suscitar aquele efeito. (Kant, 1995a, p.73).
Ora, ao conceber que os fenômenos biológicos não podem ser nem reduzidos a uma explicação mecanicista e nem também explicados teologicamente, mas que os mesmos são apenas compreensíveis mediante o princípio de “conformidade a fins da
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natureza”, Kant parece ter sido o precursor da defesa da “autonomia” da biologia em relação à física e à teologia. Mas, se o problema fundamental da filosofia da biologia consiste na consideração da problemática do reducionismo das ciências da vida (Cf. Caponi, 2004, p. 120), é necessário também ter presente que esta garantia depende, na biologia pós-darwiniana, da justificação do modo em que esta “conformidade a fins” deve ser compreendida tanto num sentido de uma “teleologia intra-orgânica” bem como de uma “teologia da adaptação”, sendo estes conceitos chaves para a justificação da auto-suficiência dos dois domínios da biologia, i.e., biologia funcional e biologia evolutiva. A apresentação destes dois modos de teleologia, a partir da distinção entre biologia funcional e biologia evolutiva, será objeto de consideração da próxima seção deste trabalho.
ii - A noção de teleologia depois de Darwin e a justificação da auto-suficiência da biologia funcional e da biologia e evolutiva
Nas primeiras palavras do conhecido The Blind Watchmaker de Richard Dawkins lê-se: “Escrevi este livro na convicção de que nossa existência já foi o maior de todos os mistérios, mas deixou de sê-lo. Darwin e Wallace o desvendaram, embora durante algum tempo ainda devamos continuar a acrescentar notas de rodapé à sua solução” (Dawkins, 1986, p. 9). Nesta obra, assim como em diversas outras, Dawkins apresenta uma defesa da teoria da evolução em contrapartida à visão criacionista dos fenômenos biológicos. O próprio título do FUNDAMENTO V. 1, N. 1 - SET.-DEZ. 2010 livro, segundo Dawkins, é concebido a partir de Paley, autor reconhecido por retomar a teologia natural na Inglaterra no início do século XIX. Como o próprio Dawkins considera (Cf. 1986, pp. 21-23), Paley também pensa os fenômenos biológicos em analogia com a criação de um relógio. Contudo, enquanto teólogo natural - e não cientista físico - Paley pensa os fenômenos biológicos não como regidos por leis gerais da mecânica, mas como produtos organizados que não devem a sua origem às mesmas leis. A analogia com o relógio serve para mostrar que, assim como este precisa de um relojoeiro, os fenômenos biológicos também precisam ser pensados a partir da criação por um artífice supremo. Dawkins tem por tese que o argumento de Paley, embora apresentando uma enorme contribuição no que tange a descrição das estruturas anatômicas e fisiológicas dos seres vivos, é incorreto porque ao passo que um “verdadeiro relojoeiro possui antevisão [... ] [a] seleção natural, o processo cego, inconsciente e automático que Darwin descobriu e que agora sabemos ser a explicação para a existência e para a forma aparentemente premeditada de todos os seres vivos [...], [se] desempenha o papel do relojoeiro da natureza, é o papel do relojoeiro cego” (Dawkins, 1986, pp. 23-24).
Dawkins credita o “mistério desvendado” por Darwin ao fato de que a seleção natural permite uma explicação dos fenômenos biológicos não reduzida a uma visão mecanicista e nem também
recorrente a uma visão criacionista. Caberia aqui perguntar se esse
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mérito não poderia ser atribuído já a Kant. Conforme objetivou-se mostrar na seção anterior, já em Kant é encontrada a concepção de que seres auto-organizados podem e devem ser explicados mediante o “princípio de conformidade a fins da natureza”, um princípio que não pode ser buscado nem na teologia e nem na ciência natural. Todavia, é imperativo ter presente aqui que, se o mérito de Kant está no fato deste autor garantir que a consideração da estrutura de organismos individuais se deve a um principio que não é buscado na física ou na teologia, Darwin pensa na possibilidade de considerar este princípio em “um plano irredutivelmente coletivo” (Caponi, 2005, p. 235), um plano no qual “a relação biológica fundamental é a relação entre o vivente e outros viventes” (Canguilhem apud Caponi, 2006, p. 30). Como estabelecer a noção de teleologia neste plano que não se reduz à consideração interna do organismo ou do meio a partir da mesma, mas no qual é necessário considerar o mecanismo que rege a relação dos organismos, é o que antes de Darwin permaneceu como “o maior de todos os mistérios” na biologia. Em uma palavra, se Kant vê a necessidade de tirar a teleologia das garras da física e da teologia no plano do organismo individual, Darwin vê como mandatório que isso aconteça também no “plano coletivo” da relação destes organismos.
É possível dizer, então, que, se a seleção natural apresenta-se como o elemento revelador do “mistério” da nossa existência, a sua importância esta fundamentalmente ligada ao modo em que a
teleologia é pensada depois de Darwin e, com isso, na própria
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especificação de dois domínios para a biologia. Quer dizer, a originalidade do pensamento de Darwin em relação a qualquer outro pensador precedente está no fato de que este pensamento permite que seja edificada a própria estrutura da biologia contemporânea enquanto biologia funcional e biologia evolutiva. A justificação da biologia contemporânea em dois domínios de investigação notadamente distintos e auto-suficientes se deve, assim, ao fato de que com a teoria da seleção natural foi possível compreender que há dois modos de teleologia diferentes que imperam em cada um destes domínios.
Ao refletir sobre a estrutura da biologia contemporânea Mayr sustenta que “a palavra biologia é uma etiqueta para dois campos muito separados que diferem enormemente em metodologia, Fragestellung [questão], e conceitos básicos” (1998b, p. 83). O esclarecimento da diferença entre essas “duas áreas muito diferentes, que podem ser chamadas biologia funcional e biologia evolutiva” é o pré-requisito fundamental para a compreensão da noção de teologia na biologia contemporânea.
Os conceitos básicos da biologia funcional, segundo Mayr, são as causas próximas que visam a descrição do funcionamento e da constituição de organismos individuais. Isso porque a “biologia funcional está relacionada com a operação e interação de elementos estruturais, desde moléculas até órgãos e indivíduos completos” FUNDAMENTO V. 1, N. 1 - SET.-DEZ. 2010 (Mayr, 1998b, p.83). Desse modo, as causas próximas, na medida em que tratam da decodificação do programa de um organismo determinado, “governam as respostas dos indivíduos (e seus órgãos) a fatores imediatos do ambiente” (Mayr, 1998b, p. 86). Como conseqüência, frente a um fenômeno biológico a questão que o biólogo funcional procura sempre responder é “Como?”, “Como se dirige o seu funcionamento?” (Caponi, 2001, p. 24; Mayr, 1998 a, p. 89; 1998b, p. 83; Jacob, 1981, p. 60). Por fim, o método visto como mais apropriado pelo biólogo funcional para responder a questão acerca do funcionamento de um organismo particular é o método experimental. Ou seja, “[o] biólogo funcional procura isolar o componente particular sob exame e, em qualquer estudo determinado, normalmente lida com um único indivíduo [...] e repete suas experiências sob condições constantes e variáveis até que acredite ter esclarecido a função do elemento que está estudando” (Mayr, 1998a, p. 89; 1998b, p. 83).
Já os conceitos básicos da biologia evolutiva são as causas últimas ou remotas. Quer dizer, “encontrar as causas das características atuais dos organismos, e particularmente das suas adaptações, constitui a preocupação principal do biólogo evolucionista” (Mayr, 1998a, p. 90). Desse modo, o biólogo evolucionista “estuda os passos pelos quais as adaptações milagrosas tão características do mundo orgânico foram evoluindo”, sendo que para tal tem sempre presente que um “organismo, como um indivíduo
e como membro de uma espécie, é o produto de uma larga história,
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uma história que remonta a mais de 3 000 milhões de anos” (Mayr, 1998b, p. 84). A questão a ser respondida no domínio da biologia evolutiva para um fenômeno biológico é “Por quê?” ou “Qual a sua origem?” (Caponi, 2001, p. 24; Mayr, 1998a, p. 93; 1998b, p. 84; Jacob, 1981, p. 60). E, para responder a tal tipo de questão, o biólogo evolucionista segue essencialmente o método comparativo. Isto é, “[n]a biologia evolutiva, quase todos os fenômenos e processos são explicados por inferências, baseadas em estudos comparativos” (Mayr, 1998a, p. 90). O biólogo evolucionista precisamente concebe “a legitimidade do método observacional-comparativo, tendo em conta que o método experimental é inaplicável em muitos problemas científicos” (Mayr, 1998a, p. 48). E estes problemas são todos aqueles que dizem respeito às diversas adaptações em determinadas populações.
Como exemplo da diferença entre os domínios distintos de investigação da biologia funcional e da biologia evolutiva pode-se aludir ao dimorfismo sexual. O biólogo funcional, mediante um método experimental, buscaria responder a questão de “como” esse fenômeno ocorre e poderia apresentar fatores hormonais ou mesmo um determinado desenvolvimento genético do indivíduo como sendo a sua causa próxima. De modo diferente, o biólogo evolucionista, através de um método comparativo, buscaria responder a questão acerca “origem” do mesmo fenômeno ou do “por quê” da sua
ocorrência e poderia apresentar como sua causa última ou remota “a
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seleção natural ou uma vantagem seletiva de utilização diferenciada das condições de alimentação” (Mayr, 1998a, p. 88), que seria procedente de diversas adaptações em nível populacional.
Estando definido os conceitos básicos, a questão a ser respondida e, também, o método a ser empregado em cada um dos domínios da biologia contemporânea, é se é possível agora também justificar a diferença e a originalidade na consideração da noção de teleologia depois da teoria da seleção natural de Darwin.
Ora, na biologia pré-darwiniana é possível cunhar ou mesmo encontrar explicitamente em diversos autores a distinção entre uma teleologia interna e uma teleologia externa. É assim que, já na filosofia grega, pode-se “fazer uma distinção entre uma teleologia platônica ou ‘externa’ e uma teleologia aristotélica ou ‘interna’” (Mclaughlin, 2001, p.16). Kant dedica todo o § 63 da Crítica da faculdade do juízo à explicação da ”diferença” entre uma “conformidade a fins interna” e uma “conformidade a fins externa” dos seres auto-organizados. Do mesmo modo, Cuvier também alude explicitamente a duas formas de teleologia que compreendem à necessidade de que “as diferentes partes de cada ser devem estar coordenadas de maneira que tornem possível o ser total, não somente em si próprio, mas também com relação àqueles seres que o circundam” (Cuvier apud Caponi, 2003, p. 27). Não poderia, então, ser cunhada antes de Darwin a distinção
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entre uma biologia funcional regida por uma teleologia intra-orgânica e uma biologia evolutiva regida por uma teleologia da adaptação?
A falsidade da relação dos pares teleologia interna e teleologia externa na biologia pré-darwiniana com os pares teleologia intra-orgânica e teleologia da adaptação na biologia pós-darwiniana é o primeiro ponto que deve ser considerado em uma resposta à referida questão. Isso porque na biologia pré-darwiniana ou (i) considera-se a teleologia externa a partir de um elemento exterior determinado teologicamente - desde o demiurgo de Platão até o relojoeiro dos cientistas físicos modernos e o artífice supremo dos teólogos naturais - que modifica a estrutura do organismo individual ou (ii) considera-se a teleologia externa unicamente a partir do plano do organismo individual - a “conformidade a fins externa” de Kant, que é hipoteticamente pensada a partir da “conformidade a fins interna” e as “condições de existência” de Cuvier, que são sempre pensadas como condições de possibilidade do próprio organismo individual (sobre Cuvier Cf. Caponi, 2003, p.29). A impossibilidade de estabelecer um princípio de conformidade a fins no plano coletivo da relação dos organismos a partir da teologia e também a necessidade imperativa de explicar a “lógica própria” deste plano são os motivos fundamentais que levam Darwin a pensar a teleologia num sentido muito diferente dos seus predecessores.
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A partir da teria da seleção natural de Darwin foi possível garantir em biologia uma consideração da teologia tanto no plano do organismo individual da biologia funcional como no plano populacional da biologia evolutiva. Ou seja, depois de Darwin estabeleceu-se a necessidade de justificar de outro modo - e de um modo que pudesse dar conta da adaptação entre o meio o organismo -aquele teleologia externa que na biologia pré-darwiniana ou era objeto da teologia ou era pensada apenas a partir do organismo individual. Assim, considera-se que a teleologia na biologia pós-darwiniana apresenta-se “cindida em duas ordens de fenômenos diferentes” (Caponi, 2003, p.28): uma ordem “intra-orgânica” e uma ordem “inter-orgânica” (Jacob apud Caponi, 2003, p.37 ).
No domínio da biologia funcional a teleologia intra-orgânica é compreendida como teleologia “determinada ou necessária”, sendo esta a que ocorre “quando se alcança um estado final específico apesar das flutuações ambientais”. (Ayala apud Caponi, 2002, p. 62). O “princípio de conformidade a fins da natureza” assim concebido deve ser justificado enquanto “princípio de função” ou “princípio de adequação autopoiética” (Caponi, 2001, p.41; 2002, p. 59). Quer dizer, no domínio das causas próximas deve ser empreendida uma explicação tal que sirva de resposta a uma indagação acerca do processo de auto-organização pelo qual o organismo se constitui e preserva a sua forma individual, processo este denominado
“autopoiesis” (Cf. Maturana e Varela apud Caponi, 2002, p.68). E é
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precisamente no domínio da biologia funcional, compreendida como uma “ciência da autopoiesis orgânica” (Caponi, 2002, p.68), que devem ser situadas as investigações de Claulde Bernard acerca da teleologia interna na fisiologia e, mesmo, de Kant e Cuvier, autores que aludem a uma teleologia externa, mas que pensam esta teleologia apenas a partir do plano do organismo individual.
No domínio da biologia evolutiva, por sua vez, a teleologia inter-orgânica, ou da adaptação do organismo com o meio, é vista como uma teleologia “indeterminada ou inespecífica” e acontece “quando o estado final ao qual se tende não está predeterminado especificamente, mas é propriamente o resultado da seleção de uma das diversas opções existentes” (Ayala apud Caponi, 2002, p. 62). Isso significa que no domínio das causas últimas ou remotas o princípio de “conformidade a fins da natureza” deve ser justificado como um “princípio de adaptação” ou “princípio de adequação adaptativa” (Caponi, 2001, p.41; Caponi, 2002, p. 59). Neste caso, vale considerar que “[a] realização verdadeiramente notável da seleção natural é que ela torna desnecessária a invocação de ‘causas finais’ - ou seja, qualquer força teleológica conduzindo a um fim particular” (Mayr, 1999, p.2). Quer dizer, a consideração da teleologia em Darwin, sendo situada no domínio da biologia evolutiva, não segue uma relação de causa-efeito determinada, mas sim de custo-benefício, segundo a qual uma coisa está onde está ou porque há mais benefícios na sua
presença do que na sua ausência ou porque esta última implica mais
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custos do que a primeira (Cf. Caponi, 2004, p. 149). Este noção darwiniana de teleologia, entendida enquanto uma explicação selecional, é garantida não a partir do atendimento ao funcionamento e à estrutura do organismo individual, mas sim mediante a consideração das variantes históricas e evolutivas que compreendem a adequação dos organismos ao meio em nível populacional.
Então, se levada a sério a assertiva de que “[a]s duas biologias, decorrentes de dois tipos de causalidade, são marcadamente auto-suficientes” (Mayr, 1998a, p. 88), é preciso ter presente que esta auto-suficiência se deve fundamentalmente à possibilidade, instituída pela teoria da seleção natural de Darwin, de considerar cientificamente os fenômenos biológicos num domínio que antes era visto como não passível de consideração ou como explicado apenas pelo viés da teologia. Isso não significa que a legitimidade de uma teleologia “indeterminada ou inespecífica” no domínio da biologia evolutiva implique o abandono ou a desconsideração de uma teleologia “necessária ou específica” no domínio da biologia funcional. Muito pelo contrário, o que Darwin parece ter garantido é uma inversão na primazia dessas teleologias que assegura precisamente a auto-suficiência e a legitimidade de ambos os domínios da biologia contemporânea. O modo de vida e as exigências do meio, garantidas pelas diversas adaptações em nível populacional, compreende a “razão de ser” da estrutura interna do organismo e, esta por sua vez, é a única
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“razão de conhecer” da teleologia que impera no seu domínio individual.
Este trabalho teve por propósito mostrar que, longe de haver uma contradição imediata entre as considerações sobre a teleologia na biologia pré-darwiniana e as considerações acerca da teleologia na biologia contemporânea, a diferença destas considerações esta pautada por uma perspectiva metodológica fundamentalmente distinta. Ao passo que na biologia pré-darwiniana o foco da atenção é o organismo e mesmo a relação com o meio é justificada a partir da sua estrutura individual, na biologia pós-darwiniana surge a possibilidade de atender às populações enquanto objetos seminais de investigação. A precisão das investigações filosóficas acerca da biologia reside justamente na legitimação da auto-suficiência dessas duas noções de teologia imperantes em cada um dos seus domínios e não na tentativa de reduzir um domínio ao outro ou, ainda, estabelecer uma síntese mais elevada entre eles. Tal empreendimento é garantido sucessiva e conjuntamente por Kant e Darwin.
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